"Através dos outros, nos tornamos nós mesmos." Esta frase famosa do educador russo Lev Vygotsky, do início do século 20, lembra-nos que não estamos sozinhos no processo educacional.
Do que aprendemos depois, o exemplo é mais didático do que o discurso, e esta recomendação pedagógica, tão decisiva na educação dos filhos, arrasta-nos pela vida afora, neste revezamento em que estamos sempre aprendendo e ensinando, mesmo que muitas vezes nem tenhamos consciência plena se estamos sendo mestres ou alunos porque, afinal, o viver por inteiro faz isso de embaralhar as lições.
Se, como professores, tivéssemos a consciência de que estamos sendo continuamente observados com aquela ânsia que todo aprendiz tem de copiar atitudes antes de adquirir o senso crítico que só virá com a maturidade, certamente seríamos melhores modelos.
E ficaríamos menos ansiosos se, tempos depois, um ex-aluno, num encontro fortuito, começasse a conversa com esta frase assustadora: "Professor, preciso lhe confessar que nunca vou esquecer aquele dia em que o senhor….". E não precisaríamos fazer aquela pausa respiratória na expectativa de que a história fosse boa de lembrar. Porque é deprimente quando alguém resolveu arquivar justamente o que merecia ter sido cremado.
Seria um notável ganho de tempo se aprendêssemos muito cedo, e sem fantasia, que qualquer lição pode ser boa ou ruim, e que sabedoria é reconhecer o que aproveitar ou repelir.
É deprimente quando alguém resolveu arquivar justo o que merecia ter sido cremado
Lembro da força do mau exemplo ao acompanhar as instruções de um oncologista explicando ao velho agricultor americano que aquela lista enorme era de analgésicos. Ao ouvir do paciente que achava que não ia precisar de tanto remédio porque se considerava forte para dor, o médico repreendeu-o: "Quando esse tumor chegar nas costelas, o senhor vai descobrir o que é dor".
Chocado com tanta insensibilidade, reclamei, timidamente como recomenda o convívio civilizado, que aquele velhinho (que tinha a cabeça parecida com a do meu pai) provavelmente não dormiria naquela noite. E o professor, tranquilamente, me respondeu: "A minha função é prescrever os analgésicos, colocá-lo para dormir é responsabilidade dos benzodiazepínicos". Poucas vezes me senti tão seguro do tipo de médico que eu não queria ser.
No outro extremo (as lembranças inesquecíveis moram nos extremos), a minha experiência mais marcante, pela delicadeza e precocidade, ocorreu quando, ainda no quinto ano da graduação, recebi do residente de pneumologia a incumbência de fazer a ficha de admissão de um peão de estância, internado na enfermaria de Pavilhão Pereira Filho. Depois das perguntas básicas, ele se pôs a contar a história das suas queixas de um jeito tão original que me fascinou, e isso é tudo o que lembro daquele arremedo de anamnese.
Mas nunca esqueci o pedido que me fez quando lhe estendi a mão para me despedir: "Eu quero me tratar com o senhor, porque foi o único doutor, até hoje, que me escutou!".
Metade agradecido, metade constrangido, não fui capaz de confessar que eu não era formado, e que mais lhe deixara falar por ainda nem saber o que perguntar.
De qualquer modo me encantei com a ideia de um dia vir a ser o médico que ele supôs que eu já fosse.