"Se for para falhar de novo, falhe melhor" (Samuel Beckett)
O nome que recebemos ao nascer define uma posição que assumimos no mundo e que, do ponto de vista do signatário, é muito mais do que um item indispensável para carteira de identidade ou a inclusão da criatura no rol futuro dos indispensáveis pagadores de impostos.
Nosso nome, não importa o que tenha motivado a seleção, vai representar nosso crachá, capaz de abrir portas ou levantar muros, dependendo de como somos vistos na comunidade em que vivemos.
A história que se segue trata da valorização da identidade, que não permite sofismas ou alcunhas que possam afetar a imagem para a qual, bem ou mal, contribuímos. Cabendo a cada um a escolha de como o fizemos: com determinação, coragem e tenacidade ou com indolência, apatia e preguiça.
Jack Rubens foi um tipo humano fora da curva e um dos pacientes mais interessantes que encontrei na minha vida médica. Radialista, boêmio, poeta e anarquista, com o passado político conturbado, construiu uma biografia capaz de encantar a quem se dispusesse a ouvi-lo. Com a cabeça branca, ar fidalgo e fôlego curto, internou-se na Santa Casa para tratar uma infecção pleural adquirida na época romântica em que a tuberculose esteve associada à intelectualidade.
Um residente de primeiro ano, muito mais preocupado em preencher a ficha de internação do que conhecer a trajetória do entrevistado, se deu conta, já sentado, de que não lembrava o nome do paciente, e na sua inocência de novato passou a chamá-lo de vôzinho.
Concluída a anamnese com vôzinho pra cá, vôzinho pra lá, Jack Rubens agradeceu-lhe a visita assegurando-lhe que seria um grande médico, porque era muito carinhoso e essa qualidade era indispensável. Mas ele tinha uma história para lhe contar: "Meu pai sempre repetia que todo homem deve ter dois filhos, essa coisa de preservação da herança genética. E ele teve dois filhos. E eu e meu irmão também tivemos dois filhos, e nossas crias já cumpriram a determinação".
Poupe-se da tola tentativa de conquistar o paciente com o uso de diminutivos
Então fez uma pausa que só serviu para aumentar a angústia do jovem residente que não estava entendendo nada daquela história. E concluiu, implacavelmente: "Desculpe, doutor, mas eu precisava lhe contar isso para que o senhor soubesse que eu já tenho os netos que planejei".
Nosso residente, vivendo aquela fase da vida em que o erro, de preferência com algum constrangimento, é o modelo didático mais eficiente, certamente guardou essa lição: não há conserto possível para a grosseria de ignorar a identidade de alguém com quem se pretenda interagir, porque qualquer relação humana só tem chance de prosperar se partir da sensação de igualdade, e chamar alguém pelo nome estabelece essa equiparação.
A atitude arrogante que prenuncia diferenciação hierárquica não produz mais do que ansiedade e medo, esses sentimentos menores que contrastam com as necessidades emocionais de quem veio em busca de ajuda e acolhimento.
Como toda relação humana que pretenda ser sólida e duradoura se inicia com a troca de identidades, essa recomendação aos médicos em treinamento não permite concessões: se não lembrar o nome, não entre no quarto do paciente. E poupe-se da tola tentativa de conquistá-lo com o uso de diminutivos.
E, principalmente, proteja o simplório, que como vítima exclusiva do anonimato pode até fazer de conta que já se habituou com a invisibilidade, mas no fundo do peito ele sonha com ser reconhecido. Quando isso acontece, ele enrola as palavras, esconde o rosto e disfarça a lágrima. Quem nunca testemunhou esta sequência não tem ideia do que a gratidão pode fazer com um coração humilde.