A surdez preconceituosa talvez seja a ponta mais aguda da humilhação. A Morte de Ivan Ilitch, a notável novela de Liev Tolstói, considerada uma leitura obrigatória para todos os médicos ou pretendentes, trata das muitas facetas do sofrimento, vistas pelo lado do paciente, o que lhe confere uma densidade desconcertante. Resume a história de um juiz todo poderoso, na Rússia czarista, que se vê progressivamente mais doente e experimenta a mais cruel solidão rodeado de pessoas que deviam protegê-lo mas só fazem mentir, negar, e nem percebem que ele só precisava ser ouvido. Semanas depois, levado a consultar um especialista, imaginou a chance de falar do mal que o afligia, porém, foi de imediato interrompido pelo eminente professor, que lhe disse que não precisava falar nada, porque já sabia o que ele tinha. Nesse dia, mais do que magoado, ele sentiu-se punido pela ironia, porque percebeu que aquela atitude prepotente era a que ele próprio, pleno de saúde e soberba, utilizava como um ser supremo no seu tribunal.
PALAVRA DE MÉDICO
Onde estão todos? Alguém pode me ouvir?
Escutar é a atitude mais elementar no relacionamento digno entre duas pessoas
J. J. Camargo