
Nas suas derradeiras horas de vida, Deise Moura dos Anjos escreveu cartas, de forma desconexa, dentro da prisão na qual estava recolhida por suspeita de assassinar quatro familiares e de outras sete tentativas de homicídio não concretizadas. Apesar dos consistentes indícios de que premeditou tudo, ela culpa a sogra, Zeli dos Anjos (uma das vítimas sobreviventes) pelo infortúnio. Pouco antes de tirar a própria vida, se enforcando na cela, Deise redigiu uma mensagem destinada à mãe do seu marido:
"Muito obrigada por esses 20 anos que fez da minha vida de casada um inferno. Mais uma vez eu sou a vilã e você a mocinha. Conseguiu ficar com tudo: meu filho, minha casa..."
É uma fantástica inversão dos fatos, já que abundam provas de que Deise tentou duas vezes matar a sogra por envenenamento de comida - e falhou, nas duas. O ódio seria porque considerava a sogra invasiva. Como não media consequências dos atos (e há inúmeros relatos indicando isso), tudo indica que acabou assassinando, ao colocar veneno em alimentos, quatro outros familiares (o marido de Zeli, duas irmãs dela e uma sobrinha)
Há indícios técnicos também de que, na perseguição a quem a contrariava, Deise tentou matar o marido com arsênio, o mesmo veneno usado para assassinar os demais, que comeram um bolo preparado com esse produto químico. Só que a dosagem foi baixa e ele sobreviveu ao suco envenenado. Talvez sem premeditar, ela também envenenou o filho, que tomou a mesma bebida destinada ao pai.
Tudo isso eu e você sabemos porque a investigação da Polícia Civil e do Instituto-Geral de Perícias (IGP) foi exemplar. Uma aula digna das séries CSI que passam na TV.
O delegado Marcos Veloso, de Torres (onde morreram três das quatro vítimas envenenadas), agiu com a cautela necessária. Afinal, não era um caso envolvendo bandidos, mas uma desavença familiar que poderia (ou não) ter derivado para assassinatos. A partir dos primeiros depoimentos indicando que Deise tinha sérios problemas de relacionamento com os parentes do marido, Veloso pediu a prisão cautelar dela e conseguiu - mas voltou atrás. Desistiu de prendê-la, nos primeiros dias, à espera de provas materiais.
Valeu a pena a espera. Em poucos dias a perícia no celular de Deise confirmou que ela pesquisara, encomendara, comprara e recebera arsênio, justo o veneno encontrado nas quatro vítimas mortas e em outras sete tentativas de assassinato (duas na sogra, três em outros familiares e também no marido e no filho de Deise).
Cuidadosa também foi a postura do IGP. Coletou amostras de sangue e urina do marido e do filho de Deise ao surgirem rumores de que eles tinham manifestado sintomas de envenenamento, meses atrás. Mas não se limitou a isso. Além de testar por meios próprios, os peritos encaminharam as amostras para outro laboratório, ligado ao Ministério da Agricultura. Que também confirmou a presença de arsênico. O uso de duas instituições diferentes para as perícias era vital para evitar uma eventual discussão sobre erro ou indução nos exames, que poderia ser levantada pela defesa da presa.
Essa discussão acaba superada pela morte de Deise. Caso encerrado, para ficar no jargão policial. Um dos mais delicados, rumorosos e bem investigados que testemunhei em 40 anos de profissão.