A notícia de que um médico gaúcho foi preso no Egito por fazer piadinha de duplo sentido com uma vendedora espantou a muita gente. Não a mim. Estive na terra das pirâmides e quase fui preso, em 2011, quando me dirigia à Líbia em guerra civil. Meu contratempo não aconteceu no Cairo, metrópole com 8 milhões de habitantes e acostumada a receber turistas ocidentais. O choque cultural aconteceu em Marsa Matruh, cidade-oásis do interior egípcio, com costumes mais conservadores. Precisava sacar dinheiro e abordei duas mulheres cobertas de preto da cabeça aos pés, para pedir informação. Elas correram aos gritos e chamaram um guarda. O homem veio com um porrete na mão, gritando. Ao perceber que eu era ocidental, falou em inglês: “jamais volte a dirigir sua palavra a uma mulher egípcia sem permissão, vou te liberar porque não estás acostumado ao nosso país”.
Sim, em alguns recantos muçulmanos tradicionais, ocidentais não devem falar com mulheres locais, a menos que sejam convidados a tanto. Isso quase custou minha liberdade, minha viagem e o naufrágio da cobertura jornalística. Mas ao final deu tudo certo.
O médico que fez piadas com duplo sentido sexual (na prática, um assédio) talvez não tenha se dado conta de que aquilo que é conversa de bar no Brasil, mesmo que machista e sexista, em outro país, com profundas crenças religiosas, pode ser uma tremenda ofensa. Aliás, é risco de vida olhar mulheres a esmo nessas regiões. Compreensível. Em alguns desses locais, pecado é sinônimo de crime, com punição prevista em lei. Traição, muitas vezes, é castigada com a morte. São terras onde pessoas se vestem de corpo inteiro mesmo para ir à praia e a nudez entre casais só é permitida no mais profundo recôndito do quarto (em alguns lares, só com luz apagada).
Enquanto brasileiros e brasileiras desfilam seminus na orla, em outras parte do planeta o suspeito de furto tem a mão cortada. A realidade, as leis e os crimes mudam conforme o local. Alguns descobrem isso a duras penas.