Pela enésima vez em sua carreira política, no último fim de semana o presidente Jair Bolsonaro lembrou suas origens militares, ao dar um recado com endereço certo: aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que têm lhe imposto sucessivas derrotas jurídicas.
— Nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo. Chegamos ao limite, não tem mais conversa — discursou o presidente, junto a apoiadores que pediam o fechamento do STF e, de quebra, o do Congresso Nacional.
Não por coincidência, num momento em que nos dois poderes se elevam discussões sobre poder encurtar o mandato presidencial, seja por meios jurídicos clássicos ou por um processo político de impeachment.
Uma certa vaidade corporativa embevece os militares, ao serem tão seguidamente lembrados pelo presidente, ele próprio oriundo do Exército. No oficialato médio das Forças Armadas e das polícias estaduais, muita gente apoia fechamento do STF e do Congresso. Já a cúpula militar, seja federal ou estadual, vê esse tipo de aventura como uma receita clássica: se sabe como começa, não como termina. A última intervenção militar durou 21 anos e resultou em desgaste político para os fardados.
Acontece que a tentação é grande. O governo Bolsonaro deu emprego para mais de 200 militares no primeiro e segundo escalões administrativos. Mais de mil estão espalhados em outras esferas. Difícil recusar a apoio a um governante que tanto os prestigia. Só que entre os generais a mistura governo e Forças Armadas desagrada.
Falamos com alguns militares graduados, lemos manifestações de outros nas redes sociais. Todos consideram o STF um ninho de intrigas e repudiam a política tradicional. Nem por isso parecem dispostos a uma ruptura democrática.
O general da reserva Paulo Chagas, que foi candidato (não-eleito) a governador do Distrito Federal com apoio de Bolsonaro, adotou, pelo Twitter, a tática do "bate-assopra": "As Forças Armadas jamais vão entrar numa aventura. O povo está dividido, o Brasil quer que cada um faça sua parte de forma responsável. Só um estado de ANOMIA, isto é, a total desorganização do Estado com perda da capacidade de fazer cumprir a lei, dará legitimidade às FFAA para intervir e restabelecer a legalidade, a ordem e os poderes constitucionais".
Mas Chagas tenta dissuadir Bolsonaro de buscar apoio entre políticos tradicionais: "O que é o 'Centrão', chamado de 'Lixão' pelo General Augusto Heleno, se não um quarto e deletério poder na sofrida e violada República brasileira?"
Menos eloquente que Chagas e muito prestigiado nas Forças Armadas, o general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz, veterano de duas Missões de Paz da ONU, afirma que a violência não pode ser estimulada e aceita como opção de solução — num recado direto a bolsonaristas que agrediram jornalistas, em manifestações domingo (3): "O Brasil tem problemas no Legislativo, no Judiciário e no Executivo. Sempre terá, como é normal. Nunca seremos perfeitos. Democracia tem discordâncias, disputas e paz social. O caminho é a lei e o diálogo".
O general da reserva Maynard Santa Rosa, que até novembro era o responsável pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal, pontuou, em conversa com jornalistas: "O presidente tem apoio popular, mas as Forças Armadas são conscientes da sua missão constitucional. O momento merece equilíbrio e reflexão, não precipitação".
No fim de semana incendiado pelas manifestações bolsonaristas em Brasília, cogitou-se até que o general Edson Pujol, gaúcho que comanda o Exército, seria substituído. Bolsonaro estaria desejoso de colocar no cargo um militar mais ligado ao governo e menos zeloso da separação governo/Forças Armadas. O colunista falou com dois colegas de caserna de Pujol, que descartam a manobra — no momento.
— Pujol é um oficial que sempre foi destaque pela sua inteligência, equilíbrio e fino trato. Uma substituição dessas, por conta de objetivos políticos de governo, é uma coisa que pode trazer um desgaste imenso, inclusive para a imagem do próprio Exército — diz um general quatro estrelas.
Mesmo com ressalvas, tudo indica que os militares no governo se deixarão usar como espantalho contra aqueles que Bolsonaro enxerga como inimigos. Farão isso por afinidade ideológia. O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que costuma ser cordato, criticou nesta segunda-feira (4) os que tentam "turvar o ambiente nacional pela discórdia e intriga". Mesmo assegurando que ninguém irá descumprir a Constituição, ele mandou um recado que cabe como luva para o STF e o Congresso.
"Agora, cada Poder tem seus limites e responsabilidades", tuitou o vice-presidente, que também deu entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha.
Como sintetiza outro general, Roberto Petternelli Junior, eleito deputado federal pelo PSL de São Paulo: as Forças Armadas não agirão fora da legalidade. "Às vezes, me ligam também perguntando se vai haver um golpe contra o presidente. Nem a favor e nem contra ele, ora."
Golpe, no caso, também se aplica ao caso de impeachment, conforme interpretam generais contatados pelo colunista.