
Há quem diga que a Índia caminha a passos largos para se tornar a nova China. Se considerarmos em termos populacionais, já é — afinal, superou, ainda em 2023, o gigante asiático neste quesito. Para o head de Exposições e Missões Comerciais da Câmara de Comércio Índia Brasil, Sachin Jadhav, no entanto, não é bem assim.
Integrante da delegação que estreia na Expodireto Cotrijal deste ano, o adido agrícola detalhou à coluna o que o país busca na feira e a realidade do seu agronegócio. E, claro, também comentou sobre essa comparação com a China.
Confira trechos da entrevista.
O que traz a Índia para o nosso Estado e para esta feira, em específico?
A economia da Índia é majoritariamente baseada na agricultura. Cerca de 60% da nossa população ainda trabalha no setor agrícola. A (nossa) agricultura não é muito desenvolvida em termos de cadeia produtiva, de indústria, de empresas. Então, nós queremos ter mais tecnologias e ideias do Brasil. O Brasil tem uma capacidade de produção muito ampla, em termos de soja e açúcar. E, na Índia, a quantidade de terras agrícolas está diminuindo por causa da urbanização. Quase 70% da população vive no campo, mas pessoas estão se afastando da agricultura por causa do setor de serviços, que está aumentando. A Índia é um grande exportador de serviços financeiros, TI, etc. Muitos parques industriais estão surgindo. Então, temos que encontrar soluções para aumentar o rendimento dos produtos agrícolas. Além disso, para um fazendeiro, depender apenas da agricultura não é suficiente porque isso não vai dar a ele suporte suficiente (financeiro) para sua vida. Então, como podemos ter mais negócios aliados? Por exemplo, os fazendeiros agora também estão produzindo energia, tendo painéis solares em seus campos ou produzindo bioetanol, biocombustível em seus campos. Eles não são apenas fornecedores de alimentos. Então, isso é algo em que o governo está trabalhando para ter mais renda para os fazendeiros e tornar a agricultura um negócio atraente para os fazendeiros. Caso contrário, na Índia há problemas de fazendeiros caindo em armadilhas de empréstimos e cometendo suicídios. Então, isso é algo que o governo está trabalhando. E nisso o Brasil obteve muito sucesso. Então, como podemos ter mais a aprender com o Brasil e suas experiências e implementar isso na Índia. A Índia é o maior produtor de leite do mundo. Mas ainda há muitas coisas a serem feitas nesse setor também do ponto de vista do fazendeiro. Aumentar o ponto de vista da renda do fazendeiro. Então, esse tipo de tecnologia de ponta, como podemos usar para que possamos ter mais produção nelas.
Do que a Índia produz, você ainda tem que importar para comprar comida de outros países? É um plano ter produção suficiente para alimentar as pessoas? Como está o equilíbrio agora?
Depende, principalmente, do clima. Ainda assim, muitas de nossas partes na Índia dependem da chuva. Se a chuva for boa, a produção é boa. Chuva ou até mesmo inundações destroem muitas colheitas. Então, nesse tempo, temos que depender da importação de grãos alimentícios, do Brasil ou de países da África. Por exemplo, cereais ou leguminosas. Têm preços que subiram quase 40% nos últimos 4-5 anos.
Estamos, no mundo, em uma guerra comercial, onde os países estão colocando impostos para desenvolver e proteger a sua produção ou indústria. Como é isso para a Índia? Já que vocês têm agora a maior população do planeta e, também, a necessidade de melhorar o acesso das pessoas à comida.
Sim, é um tipo de guerra tarifária o que está acontecendo. Mas temos excesso de produção de alimentos, como arroz e trigo, e queremos vendê-los para fora. Recentemente, muitos fabricantes de uísque surgiram na Índia. É porque temos excesso de produção de trigo e de arroz. Além disso, o governo está dando alimentos subsidiados para quase 30 milhões de pessoas no país. Então, eles estão recebendo grãos de alimentos quase de graça. É assim que estamos tentando controlar a demanda e a oferta. Porque os preços e todas essas coisas dependem das forças de mercado, demanda, oferta. Agora, se você está falando sobre a parte tarifária disso, isso é um tipo de questão política.
A indústria avícola gaúcha e brasileira diz que os impostos são altos. E não tornam competitivo para o Brasil fazer negócio.
Exatamente, porque já existe uma indústria avícola desenvolvida na Índia. E o frango é uma das principais fontes de proteína na dieta da Índia. Então, isso é algo que dois governos terão que se unir e derivar um mecanismo que o tornará competitivo, uma solução. Ou também podemos ter algumas adições de valor (para o frango brasileiro).Porque nós dois (Índia e Brasil) somos países BRICS (grupo de países de mercado emergente em relação ao seu desenvolvimento econômico). Ambos os governos terão que encontrar uma solução para essa questão em particular. Estamos em uma economia global e todos dependem de todos os outros.
Até agora, sei que você apenas andou pela feira, verá muito mais nos próximos dias. Mas qual é a sua primeira impressão do lugar onde você está agora?
É enorme, enorme, enorme, enorme, enorme. Eu já fui para algumas feiras indianas. Mas essa tem 130 hectares, 500 expositores, 300 mil visitantes. É enorme. Nunca vi uma feira como essa na minha vida. Olhando para o setor agrícola desenvolvido no Brasil, justifica essa feira ser tão grande. Você tem toda a agricultura mecanizada. Curiosamente, a Índia está importando muitas colheitadeiras e canavieiras do Brasil. Então, a Índia e o Brasil podem trocar muito.
Os principais produtos da Índia são arroz...?
Arroz, açúcar, trigo e leguminosas. O algodão também está lá. Em muitos lugares, as pessoas estão colhendo três safras por ano (semelhante ao Brasil). Não temos problemas com água. No Norte, pode haver algum problema. Na Índia, a irrigação é um desafio. Agora, cerca de 60-70% das terras agrícolas são irrigadas. Outros dependem da chuva.
Você diria que o maior desafio para a agricultura indiana é a mecanização?
Sim, a mecanização tem que ser feita. Sementes melhoradas para que o rendimento possa ser maior em uma área menor. Outro desafio que está surgindo é a fertilidade do solo. O solo está sendo erodido por causa do uso de produtos químicos. Estamos tentando voltar às velhas formas de fazer agricultura para aumentar a produção. Os agricultores estão recebendo o cartão do solo, para saber que tipo de minerais há em seu solo e que tipo de colheita eles devem produzir naquela terra. Esse tipo de esforço está sendo feito pelo governo.
Há pessoas que têm dito que a Índia é a nova China, quando se trata de desenvolver pessoas rapidamente e no movimento em larga escala para uma situação econômica melhor.
A Índia é a próxima China? Não quero comparar. Porque os dois têm sistemas diferentes. Somos uma democracia, e a maior do mundo. Não houve casos de militares tomando o governo. A nossa maneira de ver o mundo é como uma família. Eles pensam diferente. Não queremos ir para o jeito da China.
Em que sentido você quer dizer? Porque parece que concordamos que a Índia ainda tem que fazer as condições das pessoas melhorarem muito. Algo que a China também fez.
Sim, eles fizeram. E é aí que está a maior diferença. Na Índia, se você tem uma opinião diferente do que o governo está dizendo, você é livre para dizer. Eu não concordo com você. Mas imagine acontecer isso em outros países. Nós respeitamos toda e qualquer opinião dos cidadãos. Se algo não for agradável, tentamos chegar a uma conclusão ou chegar a um ponto médio.Onde ambas as partes acreditam que o desenvolvimento também deve acontecer.
Mas quando se trata de mercado e consumo, você acredita que a Índia tem potencial para ser a próxima China? Porque há muitas pessoas para alimentar.
Ainda não é a China. O mundo tem experimentado o que significa se tornar a China. Não queremos seguir esse caminho. Não queremos fazer nenhuma pressão sobre o mundo. Acreditamos na coexistência pacífica.