A imagem dele sobre o telhado, cercado por água da enchente, se tornou um símbolo do drama vivido pelos gaúchos com a catástrofe climática. Caramelo, o cavalo que persistiu e resistiu à fúria das águas, comoveu o país e terá um Natal diferente neste ano. Ganhou cuidados especiais, um novo lar e está a poucos trotes da aposentadoria.
Na direção oposta, de dar início a um novo trabalho, a jovem Nathália Renner, 17 anos, terá uma celebração igualmente diferente. O apoio financeiro recebido na forma de crédito deixa ela a poucos passos de concretizar um sonho da família: a criação de uma agroindústria familiar para o processamento de mandioca.
Duas histórias contadas pela coluna que resgatam a renovação e a esperança de dias melhores nas atividades agropecuárias. Confira.
Espaço para curtir a vida de cavalo
— É só levantar a câmera que ele vem — brinca Henrique Mondardo Cardoso, médico veterinário de grandes animais do Hospital Veterinário da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em relação ao paciente mais "ilustre".
O cavalo Caramelo comoveu o país em maio deste ano, ao ter sua imagem, do alto de um telhado cercado por água em Canoas, divulgada. Virou símbolo da resiliência dos gaúchos em meio à tragédia vivida. Ficou ali por pelo menos quatro dias e foi resgatado em uma operação que envolveu muitas mãos: o Corpo de Bombeiros de São Paulo, uma equipe especializada em resgate RTA, de Sorocaba e veterinários autônomos.
— Fisiologicamente, entrou com parâmetros normais. Só sugestivo de lesão muscular e de pele. A condição corporal um pouco pior, mais magro —relembra Cardoso, sobre o momento da chegada.
Hoje, Caramelo já não é mais paciente, é hóspede. Com um score corporal que evoluiu de 2,5 para 4, está à espera da aposentadoria. Ganhou peso e mantém a forma com um cardápio que inclui feno de alfafa, ração de manutenção (três quilos diários, divididos em duas porções) e pastagem de campo nativo.
Com a "guarda" definitiva obtida em dezembro, a Ulbra pode consolidar o planejamento dos próximos passos.
Um deles é a construção de um santuário, na área da fazenda escola da Faculdade de Medicina Veterinária da Ulbra, em Canoas. Para isso, a universidade está em busca de parceiros.
— A ideia nesse santuário é ter um abrigo, fechado, mas também um espaço aberto, onde possa andar, se locomover. Para ter uma vida digna de cavalo, e no caso do Caramelo, aposentado — conta Jean Soares, coordenador do curso de Medicina Veterinária da Ulbra.
Caramelo, que deixou a sua nova casa para participar de eventos como a Expointer, o Acampamento Farroupilha e uma gravação do programa Encontro com Patrícia Poeta, em Gramado. Mais recentemente, estrelou o comercial de divulgação da nova temporada da série Yellowstone e participou do quadro Amigo Secreto, do Fantástico.
No cardápio da ceia, um novo negócio
A ceia da Nathália Paz Renner, de 17 anos, deve ser recheada de farofa, salpicão, família, planos e um novo negócio à vista. É que, em 2025, ela e mais 500 jovens receberão entre R$ 15 mil e R$ 25 mil em financiamento do governo do Estado para execução de um projeto. No seu caso, a ideia é, com o recurso, tirar do papel um sonho da família: o de ter uma agroindústria de mandioca no interior de Dezesseis de Novembro, no noroeste do Estado.
— É um projeto que falamos há muito tempo, mas faltava o recurso — conta Nathália, que se formou na última semana no colégio e, agora, pretende seguir trabalhando na propriedade.
Mas nem sempre foi assim. Até uns meses atrás, sua ideia era buscar algo na cidade. Foi em um curso de Jovem Aprendiz de uma cooperativa na região que mudou a sua percepção, conta:
— Comecei a me inteirar mais sobre os assuntos, os benefícios e a necessidade de continuar na propriedade dos meus pais. E decidi ficar.
A ideia de criar uma agroindústria vem de Davi André Renner, pai da Nathália, que vislumbrou no negócio uma oportunidade de agregar valor à produção familiar e alcançar novos mercados — em outros municípios. Com a empresa, onde será feito limpeza, a pesagem, o descascamento e o congelamento da mandioca, "tudo isso será possível", acredita Davi.
O entusiamo é tanto que o pai planeja ampliar dos atuais 0,5 hectare plantados com mandioca para pelo menos 1 hectare no ano que vem.
— Vamos ter como escoar — explica Davi.
No caso da Nathália, o seu plano é comandar a parte administrativa da agroindústria:
— Quero, inclusive, fazer faculdade de Administração, para ajudar nos negócios.
O investimento na Nathália e em outros 500 jovens é feito via Programa de Apoio a Projetos Produtivos para Jovens da Agricultura Familiar. Ao todo, 9.855 jovens se inscreveram no programa coordenado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural. Voltado para quem tem entre 15 e 29 anos, a iniciativa financia projetos produtivos nos valores entre R$ 10mil e R$ 25 mil, com um bônus de 80% de adimplência (ficando o beneficiado com uma contrapartida de 20%). No total, são R$ 6 milhões em recursos e um adicional de mais R$ 6 milhões anunciado para contemplar um total de 500 jovens.