
Morreu o papa Francisco. Talvez o último grande líder moral de uma era que parece ter desistido de ter líderes morais. Morreu um papa que, ainda bem, não foi perfeito. Porque sua força estava justamente nisso: na imperfeição profundamente humana com que percorreu o caminho estreito da fé.
Argentino, jesuíta, devoto de São Francisco — o santo da simplicidade —, Jorge Mario Bergoglio passou seu pontificado tentando lembrar à Igreja e ao mundo que o cristianismo não nasceu em palácios. Nasceu nas vielas empoeiradas da Galileia, nas mãos calejadas dos pobres, nas margens. Tentou abrir as janelas do Vaticano para a realidade. Tentou devolver à Igreja a sua vocação de consolo, e não de condenação. Tentou, como bom cristão, mesmo sabendo que talvez fracassasse.
Mas nem o Santo Padre escapou da fúria do nosso tempo. Foi chamado de comunista por uns, reacionário por outros. Como o próprio Cristo, não agradou a todos. Porque Francisco pregava algo anterior a qualquer ideologia. Ele falava de amor, acolhimento e justiça. Falava e vivia como se Jesus ainda fosse aquele homem simples de Nazaré, e não uma logomarca política, uma senha partidária, uma divisa de guerra cultural.
E talvez o mais triste seja isso: até a morte de Francisco está sendo disputada por torcidas. Uns o celebram como bandeira. Outros o insultam como ameaça. Poucos o ouvem como profeta.
Transformaram a fé em espetáculo. Em discurso inflamado. Em moeda de troca. E são muitos os que falam em nome de Deus com o ódio de quem nunca O conheceu. São os novos vendilhões do templo: têm púlpito, microfone, bancada no Congresso e canal no YouTube.
Esquecem que o Cristo de quem Francisco falava era judeu. Lia a Torá. Falava aramaico. Celebrava o Pessach. Não fundou uma religião, mas sim, viveu uma fé. Foi perseguido, torturado por um império. E morreu pedindo perdão por seus algozes.
Francisco não conseguiu mudar tudo. Nenhum homem muda. Mas talvez tenha nos deixado com uma pergunta incômoda, que ecoa como uma oração mal resolvida:
Se Jesus voltasse hoje, andaria com quem?
E quem teria coragem de andar com Ele?
Talvez só restasse a cruz. E um ou dois corações dispostos a seguir, de verdade, o mandamento mais simples e mais difícil de todos: amar.