
Em Londres, bastaram 2.300 libras para sepultar uma carreira pública. Em 2009, o vice-prefeito Ian Clement usou o cartão corporativo para pagar uma passagem aérea e refeições caras nos Estados Unidos. Reembolsou antes mesmo do escândalo ganhar o noticiário. Ainda assim, caiu. Não houve mansão, nem Ferrari, nem passeio a leilão de cavalos financiado com dinheiro público. Foi o princípio, e só ele, que determinou o fim. Um privilégio raro: o da retidão como padrão. Um luxo que, por aqui, nós não temos.
No Brasil, o barulho é outro. Aqui, um escândalo precisa amadurecer como fruta em árvore esquecida. Precisa virar denúncia, passar pelo crivo da imprensa, receber a bênção da indignação popular — e mesmo assim, talvez, nada aconteça.
O agora ex-ministro das Comunicações, Juscelino Filho, finalmente deixou a cadeira da qual já deveria ter se levantado ano passado. Sai sob acusações gravíssimas: fraude, corrupção, lavagem de dinheiro. Já era réu moral antes de ser formalmente denunciado, mas para o presidente da República, só a denúncia da PGR foi suficiente para empurrar o aliado porta afora.
O contraste é cruel. Enquanto lá na Inglaterra um “escorregão” no cartão encerra uma trajetória, aqui nem a pavimentação de estradas em terras da própria família, bancada com emendas suspeitas, nem o uso da Força Aérea para ir a leilões, nem os relatórios da Controladoria-Geral da União foram suficientes para interromper o curso de um mandato. A ética, quando muito, vira argumento de conveniência. Tudo em nome da governabilidade.
Não se trata de idealizar outras culturas, nem de repetir o velho complexo de vira-lata. Trata-se de olhar para o espelho. Lá, o limite é a passagem aérea. Aqui, é a paciência do povo. Ao que parece, ela ainda não se esgotou. A ética começa no detalhe. No centavo desviado, na omissão conveniente, na desculpa esfarrapada. Quando se dá conta, já corroeu tudo. E o que sobra é isso: um país onde a falta de vergonha é sentimento cotidiano. Há 525 anos.