Peço ao leitor licença para tratar, na coluna de hoje, de um tema que não é comum nos meus textos. Por aqui, fala-se muito de política, economia, cenário internacional, e muito pouco sobre vida pessoal. Mas hoje, 15 de abril, é o dia em que nasceu Fernanda Sant’Ana Wainer, jornalista, empresária e psicanalista que também calhou de ser minha mãe.
Meu avô — e pai dela — Paulo Sant’Ana escreveu uma vez que achava muito difícil que alguém valorizasse mais a figura da mãe do que ele, que perdeu a sua quando tinha dois anos. Quando penso que uma imensa parte de tudo o que sou se deve ao amor e à educação que recebi e recebo da minha há mais de 30 anos, fico imaginando até onde o vô poderia ter chegado, se tivesse tido a oportunidade de conviver com a minha bisavó Nair.
É que minha mãe me ensinou quase tudo de importante que eu sei. Foi com ela que aprendi que pouca coisa na vida é melhor do que samba. Também foi com ela que aprendi que “quem não experimenta as coisas, morre jegue”. Minha mãe também é responsável por ter me apresentado à literatura, à música, à poesia, à filosofia e ao teatro. E por ter me educado para não ser um idiota.
Meu avô faleceu quando eu tinha 25 anos, e durante todo esse quarto de século, se despedia de mim no Natal, dizendo que aquele seria o seu último. Não herdei do lado Sant’Ana a constante preocupação com a finitude, é verdade, mas diante de tantas tragédias climáticas, recentemente pedi a ela que registrasse, em um livro, todas as suas receitas que fazem minha cabeça — e meu estômago — se agitarem de emoção.
Comida, para nós, é assunto seríssimo. Talvez, o mais sério deles. E não se engane o leitor: ela sente a mesma alegria, o mesmo desbunde, a mesma exasperação com um cachorro-quente do Rosário ou um Tournedos Rossini de um restaurante com estrela Michelin. Costuma, inclusive, se irritar com o exagero de firulas dos restaurantes estrelados. Poucas coisas a fazem mais feliz do que sair de uma orgia gastronômica no Colina Verde, em Nova Petrópolis, com direção à Velha Bruxa, em Gramado, para tomar um chocolate quente com marsmallow — e pedir uma porção extra da calda açucarada. Seu apetite pelo que há de mais bonito e gostoso no mundo surpreende até mesmo o maior dos glutões.
Minhas primeiras memórias da infância são todas na cozinha. Desde que me lembro, ela colocava uma escadinha daquelas de quatro degraus na bancada para que eu pudesse ajudá-la nos preparos. De lá, saíam pasteizinhos recheados de presunto e queijo e empanados em açúcar cristal; sua inesquecível torta de sorvete; ou então o indescritível, impoluto e memorável bolo de morango com merengue. Por causa dela, nunca fui — nem eu, nem meu irmão — uma criança que pede “menu kids” em restaurantes. Sempre nos divertíamos com os olhares de espanto dos garçons quando um guri de 8 anos pedia pato com laranja nos restaurantes.
Minha mãe nos criou para o mundo. Nunca foi dessas que faz chantagem emocional para que ficássemos em casa. Criou dois homens honrados, que trabalham, pagam suas contas e tratam bem suas famílias. E que voltam pra casa dela porque querem, porque gostam. Esta é a consequência de levar a sério o papel de mãe: ter os filhos por perto não porque precisam, mas porque desejam, porque amam.
Obrigado, mãe, pelo trabalho hercúleo de ter sido mãe de verdade, com afeto, correção e muita, mas muita comida boa — de preferência, sempre com muito molho.
Eu e Pedro te amamos muito.