
Era setembro de 1994 e ainda engatinhava o plano econômico que iria livrar o Brasil da hiperinflação. A eleição para definir o sucessor do presidente Itamar Franco já se avizinhava, e todas as pesquisas indicavam o favoritismo de Fernando Henrique Cardoso, que deixara o posto de ministro da Fazenda em março. FHC capitalizava o mérito de ter sido o ministro que montou o time de economistas responsável por tecer o Plano Real. Quem estava então na Fazenda era Rubens Ricupero, que já tinha números positivos a mostrar mas tentava se proteger da artilharia do PT, o partido que considerava o Real “uma farsa” e havia orientado sua bancada no Congresso a votar contra o plano de estabilização.
Sucedeu, então, que Ricupero, no intervalo de uma entrevista que concedia no estúdio da TV Globo, sentiu-se seguro para trocar palavras informais com o entrevistador. Suas palavras “off the records” acabaram, porém, captadas por antenas parabólicas de telespectadores, e um trecho foi particularmente utilizado pelo candidato de oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, que à época se apresentava como paladino da ética. “Eu não tenho escrúpulo. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde”, murmurou Ricupero.
Ricupero caiu do seu posto, e 30 anos depois lançou um livro de memórias contextualizando aquele momento e a frase que ele mesmo considerou “asneira”. Recolheu-se um bocado depois disso. Lula, ao contrário, prosperou politicamente sem fazer mea culpa por ter-se oposto ao Real ou por qualquer outra coisa — inclusive por ter usado o caso Ricupero para vender a ilusão de que inauguraria uma era de escrúpulos no poder.
Semana passada, mencionei aqui a injustificável decisão do MEC de Lula de suspender a divulgação dos dados de alfabetização na segunda série. Sabe-se agora o motivo. É que ano passado, o governo alardeou que o índice de alfabetização medido pelos Estados em 2023 atingira na segunda série 56%, um ponto percentual a mais que o nível de 2019, antes da pandemia. Ocorre que a pesquisa do SAEB, nacional, que o MEC enfim autorizou divulgar depois de intensa pressão, acabou revelando um índice constrangedoramente menor, 49%.
Em síntese, o governo faturou um dado que lhe pareceu bom e tentou escondê-lo quando descobriu que era ruim. É o que Lula e o PT chamavam de falta de escrúpulos, outro dia.