Com uma leitura ainda fresquinha de Cem Anos de Solidão na memória, terminei de assistir à série da Netflix, na semana passada, com a sensação de que — ufa! — deu tudo certo. A primeira adaptação para as telas do romance de Gabriel García Márquez não apenas agradou a maior parte dos espectadores (pelo menos essa é a minha impressão, pelos comentários que andei lendo nas redes sociais nos últimos dias) como reacendeu o interesse pelo livro — o que, no caso de qualquer adaptação literária, é sempre o melhor desfecho.
A produção tinha pelo menos dois grandes desafios. O primeiro era ser fiel à imaginação do autor. O segundo era conseguir ser infiel na medida certa, admitindo-se que é impossível transformar palavras em imagens sem arriscar-se para além dos limites da obra original. Em se tratando de uma plataforma de streaming global como a Netflix, o maior perigo era Macondo ficar mais parecida com um hotel temático de Las Vegas do que com Aracataca, povoado no norte da Colômbia onde García Márquez nasceu. Não foi o que aconteceu. Da escolha do elenco à direção de arte, passando por cada detalhe do figurino e dos cenários, tudo contribuiu para que o espectador ficasse com a sensação de que a alma colombiana da história estava sendo respeitada.
Com relação à adaptação do romance, o resultado me pareceu não apenas respeitoso, mas de certa forma até mesmo complementar. Em geral, onde a literatura toma todo o tempo necessário para contar uma história, séries e filmes costumam pisar no acelerador, sem se preocupar muito com o que se perde pelo caminho. Neste caso, me parece ter acontecido o contrário. Se Cem Anos de Solidão é um romance que se lê quase perdendo o fôlego a cada página, tantas coisas acontecem e tão poucos intervalos para observar a vida interior dos personagens a trama oferece, a série, em comparação, se desenrola em câmera lenta, dando oportunidade para o espectador demorar-se um pouco mais em cada desdobramento da história.
Para quem, como eu, gostou da série e mal pode esperar pela segunda e última temporada (ainda sem data de estreia definida), minha sugestão é aproveitar o momento “soy loco por ti, América” para assistir à adaptação de outro clássico latino-americano que estreou há pouco no catálogo da Netflix, ainda que sem tanto alarde: o filme Pedro Páramo, baseado na obra do escritor mexicano Juan Rulfo. Um livro que inspirou, entre tantos outros autores, o próprio García Márquez.