Enquanto boa parte das pessoas ainda se chocava com o contraste entre a persona pública e a vida-louca privada da deputada federal e cantora gospel Flordelis, acusada de planejar a morte do marido com a ajuda de seis filhos e uma neta, os gaiatos do Twitter andavam engajados em um debate um pouco menos grave: afinal, a cabeleira da pastora é peruca, implante ou chapinha?
Muita gente perfeitamente honesta e sensata usa, usou ou ainda vai usar uma peruca. Em meio a todo moralismo postiço que veio à tona nos últimos dias, porém, os cabelos tão lisos quanto artificiais da deputada tornaram-se um emblema do embuste autoconfiante. Flordelis estava tão acostumada a seduzir os interlocutores com sua performance piedosa e abnegada, que não apenas sentiu-se à vontade para derramar lágrimas reptílicas durante o velório do marido como, nos meses seguintes, continuou postando mensagens de amor para o falecido em suas redes sociais. De boas.
Flagrar um moralista de cuecas (ou peruca) desperta o perverso prazer da reafirmação do óbvio: ninguém é tão bonzinho assim, muito menos quem costuma usar sua suposta superioridade moral como plataforma de autopromoção. Flordelis era aquele tipo de crente que fala alto e aponta o dedo para os "pecados" alheios. O fato de que por trás da fachada de "defensora da família" escondia-se o caráter de uma assassina leva ao limite extremo uma contradição entre essência e aparência muito comum em personalidades desse tipo.
Apoiado em convicções religiosas distorcidas e em certo desprezo pela natureza humana como ela se apresenta na realidade (múltipla, caótica, indomável), o moralista cobra adesão cega à narrativa mesquinha (e delirante) que divide o mundo entre anjos e demônios, santos e pecadores, nós e eles. Alguns mostram-se tão talentosos na arte de cobrar, apontar e ameaçar que acabam transformando essa habilidade em meio de sustento e/ou enriquecimento. Para esses, a dissociação entre prática e discurso torna-se uma segunda natureza. Flordelis nos lembra como um moralista pode ser contraditório, ou até mesmo criminoso, sem jamais ser afetado pela culpa ou pela consciência das próprias contradições.