
Uma distopia tão próxima da nossa realidade que nem parece tão faz de conta assim. O filme O Círculo, em cartaz em Porto Alegre, é baseado em um livro publicado em 2013 - séculos atrás em termos de tecnologia. O filme, em si, não é lá essas coisas, mas a ideia central dá o que pensar. Mais ainda se, no fim de semana de estreia do filme, vemos o país parar - pelo menos 30 segundos per capita - para assistir ao vídeo da prisão de Fábio Assunção com a voracidade de uma final de Copa do Mundo.
O livro de Dave Eggers imagina uma grande corporação do Vale do Silício (pense Google, Facebook, Apple, SnapChat, Uber...) que tem uma ideia brilhante: uma microcâmera que permite que todos fiquem conectados, transmitindo para os interessados cada momento da própria vida (com a gentil exceção do banheiro). "Segredos são mentiras", "Compartilhar é se importar" são os slogans vendidos pela companhia. Quanto mais você compartilha, mais generoso você é. Adotar o método é ficar "transparente". As pessoas têm o direito de ter acesso a sua felicidade, e você tem o dever de deixá-las entrar na sua vida. Todo mundo pode ser estrela de um BBB particular sem precisar ser selecionado pelo Boninho.
Leia também:
Fábio Assunção é solto após pagar fiança de 10 salários mínimos
Após prisão, ator pede desculpas e diz que não estava drogado: "Errei ao me exceder"
Ivete Sangalo, Drica Moraes e outros famosos saem em defesa de Fábio Assunção
A estratégia pode parecer maligna ou revolucionária - dependendo do seu ponto de vista e mais ainda da sua idade. No filme, fica tudo um pouco ambíguo, e os vilões não são déspotas de cara amarrada, mas sujeitos simpáticos e bem sucedidos que prometem "mudar o mundo". E o mundo já mudou. Tivesse Fábio Assunção tomado seus porres em outra época, seu drama particular seria igualmente triste, mas restrito. Hoje, todos se sentem no direito de comentar, fazer piada, criticar, apoiar ou se comover com Fábio Assunção como se ele fosse um personagem de ficção e não mais uma pessoa. O Círculo já é - e estamos todos, anônimos e famosos, a um deslize da fama ou do esculacho global.