
Tite deu um tempo para si:
— Antes de ser técnico, sou humano.
O ex-treinador da seleção, campeão mundial pelo Corinthians, anunciou sua retirada por período indeterminado para cuidar da saúde mental e física. Aos 63 anos, tomou a surpreendente decisão de suspender a sua carreira.
O susto da arritmia cardíaca ao retornar de um confronto da Libertadores na Bolívia, em agosto de 2024, na época no Flamengo, contribuiu para a reviravolta profissional — quem enfrentou dilema semelhante ao de Tite foi o tetracampeão brasileiro Muricy Ramalho, que abreviou a sua carreira em abril de 2016, enquanto comandava o Flamengo, após sentir dores no peito.
Num esporte em que a resiliência atinge os extremos da autoviolência, em que não se desiste, tal exposição pública de um coliseu, o que Tite fez é uma atitude corajosa. É uma aula de civilidade terapêutica para o futebol, mostrando a importância da pausa.
Torna-se um ícone masculino, seguindo a lucidez de Simone Biles: reconhece suas fronteiras e opta por um intervalo, mesmo sob os holofotes, mesmo com convites irrecusáveis, para defender a sua privacidade e preservar os seus valores.
Essa resolução do Tite rompe com um padrão cultural entre os homens: o da resistência silenciosa a qualquer preço, da mania de “aguentar tudo” e jamais pedir ajuda, da negação da vulnerabilidade. Ele vinha dizendo que não suportava mais o ritmo. Se continuasse assim, subestimando os sinais de alerta, poderia morrer sentado numa casamata, ou sucumbir pela depressão ou ansiedade num quarto de hotel.
O sacrifício traz a ilusão da influência: você desfruta de fama nas ruas, mas, dentro de casa, não passa de um fantasma. Deixa de aproveitar os momentos preciosos ao lado de quem mais ama. Perde a fase dourada do crescimento dos filhos, que nunca terá estorno — adultos, eles não desejarão igual proximidade.
Como Biles na Olimpíada de Tóquio (2021), que abandonou as provas por sérias questões emocionais e foi duramente criticada por declinar de futuras medalhas de ouro, Tite assume o que parece uma fraqueza, mas é a força maior da franqueza: a valentia de parar simbolicamente o seu cargo para retomar a sua vida e reencontrar a sua inspiração.
Treinadores são tratados como máquinas, submetidos a experiências assustadoras, numa imprevisibilidade doméstica, sempre prestes a ser demitidos, sempre trocando de cidade e de clube, levando as famílias de roldão, numa condição provisória e ambulante, matriculando e rematriculando suas crianças no vaivém das escolas.
As glórias duram pouco. As vaias, essas sim, sufocam.
Ainda que carreguem rescisões polpudas e recebam salários astronômicos, acabam devorados pela crítica. A cada jogo, precisam lidar com uma coletiva para explicar o que funcionou ou o que não vingou nos seus esquemas táticos. Não devem falar mal dos atletas ou dos dirigentes. Protegem o vestiário. Permanecem à beira do campo se esgoelando, gesticulando enlouquecidos, raciocinando uma mímica para conter ou desarmar o adversário. É um estresse desumano, de implosões psicológicas e pressões externas.
Técnico já nasce com a Síndrome de Burnout. A tensão é a sua rotina: do treinamento para a concentração e daí para a partida, num labirinto interminável.
Também sofre de um agravante. Diferentemente dos jogadores, que possuem um ciclo definido de produtividade e penduram as chuteiras até os 40 anos, o técnico não tem um limite biológico, à mercê dos humores do mercado e da aceitação das torcidas. Pode se manter no posto de forma vitalícia, até o último suspiro. A data de validade é somente quando adoece.
Tite pensa que está se salvando, mas na verdade está salvando vários de seus colegas a partir de seu exemplo.