
É possível estabelecer a cumplicidade com o outro a partir da escuta atenta, respeitando o valor das confidências e não subestimando o sofrimento alheio, ou a partir da autocrítica, em que você não se julga tão importante, expõe seus defeitos e humaniza o contato.
O papa Francisco manejava com extrema habilidade essas duas matrizes da existência, sendo capaz, ao mesmo tempo, de mergulhar na dor mais funda e sobrevoar a graça mais etérea.
Ele entendia o papel do senso de humor para lapidar a humildade. Quem ri de si facilita o convívio, destrói os escudos da soberba e do narcisismo.
Este era um dos segredos de Francisco. Tornou-se conhecido pela sua empatia emocionada e contrita e também se consagrou pelas suas interações jocosas com os fiéis.
Tinha como lema: “pés no chão, coração no céu”. A naturalidade de seu comportamento era influência de sua avó, a italiana Rosa Margherita Vassallo, que o ensinou a rezar como se fosse uma conversa franca e divertida com Deus. Afinal, Deus é o nosso melhor amigo, não dá para esconder nada dele: nem as dúvidas, nem as inquietações, muito menos as brincadeiras.
Não me lembro de um papa que sorrisse tanto.
Na sua visão, a risada representava um atestado de sanidade — aqueles que não desfrutassem dessa partilha do cotidiano, dessa exaltação do simples, padeceriam de amargura e ingratidão.
Por isso, em suas orações matinais, ele rogava para não perder o riso.
Francisco rezava diariamente a “Oração para pedir o bom humor”, atribuída a São Tomás Moro: “Concedei-me a saúde do corpo, com o bom humor necessário para mantê-la”.
Pelo jeito, sua prece foi atendida. Ele se mostrava prodigioso em tiradas espirituosas. Sobre dietas, dizia que comer muito não era o maior dos pecados, só comer sozinho. Recomendava que todo padre tivesse um kit básico de sobrevivência: um terço, uma cruz de madeira, a lista com os nomes das pessoas para acudir e balas de menta, já que o bafo prejudicava o alcance do sermão.
No seu caso, a religiosidade não entrava em conflito com a alegria.
Sua condição de argentino rendia gargalhadas surpreendentes.
“Como um argentino se suicida?
Ele sobe no próprio ego… e se joga lá de cima.”
Ele contou essa piada durante uma entrevista, como forma de quebrar o gelo e neutralizar o excesso de reverência que recebia dos repórteres.
Francisco não se levava a sério, permitindo os laços de confiança que vêm com a informalidade. Não suportava regalias ou diferenciação no tratamento.
Sua leveza o aproximava das pessoas — desarmando o medo da autoridade. Todo mundo ficava à vontade em sua presença.
Para o conclave que vai eleger o seu sucessor, previsto para a primeira quinzena de maio, ele deixou um recado:
— Espero que o próximo papa seja melhor do que eu. Mas não tão bonito, senão vão se esquecer de mim!