
Você quer se desfazer da sua casa, mas ela está com o mato crescido, infiltrações nos tetos, baldes espalhados por diferentes aposentos para conter goteiras, janelas e portas emperradas, num cenário de completo abandono.
Surgirão interessados? Só se for para destruir a residência e aproveitar o terreno.
O mínimo de empenho corresponderia a cuidar do ambiente, resolver pendências, torná-la novamente habitável. Como se você fosse morar nela outra vez.
Não compreendo a pressa da Prefeitura de Porto Alegre em propor uma concessão parcial do DMAE. Pelo projeto, a iniciativa privada se encarregaria da distribuição de água, ampliação das redes, coleta e tratamento de esgoto, além da cobrança das contas.
Nem passou um ano da pior enchente da nossa história, em que o DMAE foi o pivô da crise.
Haja vista a recente tragédia humanitária, discutir a concessão de um serviço essencial como água e esgoto soa insensível e inoportuno. Não concretizamos sequer um empreendimento relevante para prevenir futuros alagamentos.
Em abril, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) ingressou com uma ação civil pública contra a Prefeitura, solicitando uma indenização coletiva de R$ 50 milhões. O montante seria destinado a obras de adaptação climática, como parques lineares e corredores ecológicos. Também são requeridos ressarcimentos individuais para moradores e empresários dos bairros que deveriam ter sido protegidos pelo sistema de defesa contra cheias.
Identifica-se omissão por parte do Executivo ao não cumprir a manutenção adequada do DMAE, apesar de alertas sobre falhas nas casas de bombas e estações pluviais.
A enchente afetou mais de 160 mil habitantes em 46 bairros de Porto Alegre, incluindo áreas centrais e periféricas. O nível do Guaíba atingiu inéditos 5,33 metros. Segundo o MPRS, o colapso não decorreu apenas de um evento de força maior, mas de erros graves de gestão.
A autarquia é alvo recorrente de críticas por precarização dos serviços e divergências administrativas. A cada tempestade, falta água.
E ainda assim se pretende terceirizar o setor, num modelo híbrido? A medida, claramente impopular, poderá resultar em aumento gradual de tarifas para custear investimentos — quando o básico não funciona.
Talvez o contribuinte termine pagando mais por uma prestação já deficitária.
Que empresas ficariam atraídas por um negócio marcado por complexidade técnica, suscetibilidade política e incerteza jurídica?
Não duvido que se repita o leilão vazio do Jardim Botânico.
A fragmentação gera insegurança sobre a rentabilidade. A empresa privada dependerá do poder público, sem autonomia diante de desastres naturais em larga escala.
São temerárias, para qualquer investidor, a pressão dos custos operacionais e a imprevisibilidade. Evitam-se ativos em áreas com risco climático crescente, como a nossa. Tampouco se busca o dissabor de enfrentar congelamento da fatura ou dificuldades para aplicar reajustes.
Será que não aprendemos com a privatização da CEEE, há quatro anos?
Esperava-se arrecadar bem mais, mas o valor obtido foi surpreendentemente baixo: R$ 100 mil pagos pelo Grupo Equatorial Energia, que assumiu um passivo superior a R$ 4 bilhões.
E a promessa na época, qual era? Lembra? Justamente a atual com o DMAE: melhorar os serviços.
Hoje, grande parcela da população está descontente com a distribuição de energia. Com os apagões frequentes, mesmo sem chuva. Com a demora superior a 24 horas para o seu restabelecimento. Com a ausência de resposta nas comunicações.
Sempre que o caro sai barato, o barato acaba saindo muito mais caro.