
Ter é não valorizar. Não ter é correr atrás. Esse é o mais comum paradoxo da existência.
Quando pequenos, não damos atenção para a comida de casa. Depois, adultos, o que mais desejamos é a comida caseira de volta.
Viramos caçadores da alimentação simples, da porcelana com esmalte amarelo nas bordas, do copo lagoinha e da toalha plastificada.
Aventuramo-nos em muquifos com fachadas menos abençoadas para descobrir aquele lugarzinho sagrado: onde o fogão reina mais do que a aparência.
Os talheres não são de prata, os copos não são de cristal, mas o sabor é do ouro da saudade.
Eu não resisto a uma à la minuta na estrada. Se no letreiro aparece “bife acebolado”, eu babo, eu me afogo na própria saliva.
Logo vêm à mente as lascas de carne douradas e crocantes, preparadas na chapa, que eu tinha que disputar no garfo com os irmãos.
O cheiro se mantém ileso na memória. O olfato da memória se faz mais forte do que a respiração do momento.
Outro gatilho para a gula é o pão com salsichão. Se algum estabelecimento tem coragem de anunciá-lo, entro sem pestanejar.
Meu Deus, cedo à tentação com orgulho. Cachorro-quente é para criança, pão com salsichão é para adulto com nostalgia dos churrascos pobres da infância.
A pobreza era a nossa riqueza: nada poderia ser melhor do que abrir com a mão um cacetinho novinho e ajeitar o embutido fumegante em seu miolo. Comia-se caminhando, para retornar em seguida e repetir.
O que você mais quer encontrar nos restaurantes é o básico com capricho. Não é nenhum prato sofisticado. Não é nenhum prato extravagante. Tenta reprisar os bons tempos da família reunida.
Há um apelo afetivo, um regresso a um útero gastronômico, em que nos víamos protegidos, aquecidos e alimentados.
A carência para ser novamente cuidado, recebido e acolhido grita na maturidade. É um berro da alma por espaços modestos que reproduzam nossa plena aceitação, à revelia das formalidades.
Mais do que quando enfrentava febres na cama, eu me sentia amado quando era servido na mesa.
Nenhuma estrela Michelin supera o feijão mexido, a lentilha, a couve, as fritas, a polenta, o galeto, o guisado com batatas, a carne de panela, a abóbora caramelizada, o strogonoff, o carreteiro.
Recentemente, no meu bairro, abriu um restaurante. Ele apresentava em sua tabuleta: “feijãozinho de mãe”. Foi um sucesso. Filas se formavam ao meio-dia, engolfadas pelo vapor perfumado dos temperos no caldo escuro.
O fiador materno é arrebatador. Eu me tornei assíduo. Pensei que não haveria local melhor para as refeições diárias pelo resto da vida.
Só que surgiu um concorrente na esquina da mesma quadra oferecendo “feijãozinho de vó”. Daí quebrou a banca.
A mãe da mãe sempre ganha. Comida de vó é o upgrade da nostalgia, o colo da saciedade.