
Quem não sentiu uma pontinha de frustração pelo fato de Fernanda Torres não ter recebido o Oscar de melhor atriz?
Parece até ingratidão, já que ganhamos o de melhor filme internacional, o primeiro Oscar de nossa história.
Mas é natural, confesso, eu me peguei chateado. Foi algo meio atávico, inconsciente.
Até admitiria perder para Demi Moore, e sua substancial mutação de carreira, só que para Mikey Madison, atriz de 25 anos de Anora, uma promessa, não foi nada justo.
Fernanda já tinha a chancela do Globo de Ouro, merecia a honra mais do que ninguém. Não existia performance superior à dela, e assisti a todos os filmes concorrentes.
Ela suspende o tempo da narrativa com o poder do seu olhar: aguado, ou seco, ou tenso, ou aflitivo, ou esperançoso. Seu olhar é a janela da alma de Ainda Estou Aqui. Ela encarnou Eunice Paiva mais do que interpretou. Tratou-se de uma possessão emocional. Realizou a façanha de absorção microscópica de um temperamento, de uma época, de uma coragem.
Porém, havia algo a mais na raiz da minha indignação: eu tinha adotado Fernanda como minha amiga, eu que nunca a vi pessoalmente.
Fernanda Torres é o povo brasileiro. Um espelho de nossa espontaneidade.
Acessível, gentil, confidente.
Ela guarda algo de Vani de Os Normais, de Fátima de Tapas & Beijos, de arder intensamente não esquecendo seus limites ou defeitos.
Ela exalta tudo o que está acontecendo de bom com o filme, mas não é deslumbrada.
Com uma trajetória absolutamente coroada, poderia desfilar como uma exceção, isolar-se nos holofotes, dizer que ninguém chegou aonde ela chegou, e faz o contrário: normaliza o brilho, empresta sua luz, nos representa, não nos exclui de suas novidades.
Vive o sucesso como se tivesse sido abduzida. Fica imaginando quando vai dormir uma noite inteira. Quer algo mais popular? Você está no auge da sua carreira e pensa na sua cama.
Nanda nos entende. Nanda é gente como a gente. Nanda tem amigos. Nanda partilha os méritos com Walter, com Selton, com o elenco, não para de venerar a sua mãe Fernanda Montenegro. É agradecida demais para ser egocêntrica. Não se coloca no centro da conversa. Quando fala de si, é para rir, para divertir os outros, para descontrair o ambiente, para se humanizar por completo.
É nossa principal atriz dramática, e não reage como uma diva intocável. Atende a todos, sem hierarquia.
Ela é elegante de Chanel ou de bermuda, pois é sempre autêntica.
Dança quando está à vontade. Canta junto quando escuta um samba. Bebe quando está feliz. Não se ausenta no coração.
Nos bastidores de Los Angeles, sua maior alegria era ter virado máscara de carnaval. Expressava seu espanto em qualquer entrevista internacional.
Seu maior prêmio era estar misturada ao nosso rosto. Ser o nosso rosto.
Jamais testemunhei alguém do palco ou das telas amar tanto o seu público.
Mesmo que ela não tenha sofrido com o resultado, eu sofri por ela. Isso é amor de fã.