
A grande questão não é se Eduardo Leite deve ou não comprar um jato de, no mínimo, R$ 95 milhões, é se o investimento constitui uma prioridade do momento diante da reconstrução do Estado.
Acredito que não seja uma urgência. Não transcorreu nem um ano do maior desastre ambiental da história gaúcha. Não estamos em condições de contar vantagem. Pelo contrário, nossa economia não se refez depois do baque monstruoso.
Em coluna anterior, eu até recomendei que o governador andasse menos de helicóptero e mais de carro, para constatar o quanto falta consertar das nossas estradas. São raras as exceções de boa trafegabilidade. Mais de 70% das rodovias se encontram nas categorias de regular, ruim e péssima. Nunca sofremos com tantas fatalidades — de acordo com dados do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM), houve aumento de 14% de acidentes nos dois primeiros meses em comparação ao início de 2024.
Não é planando no céu que ele testemunhará os buracos, os acessos bloqueados e as vias interrompidas. Certamente, chegará mais rápido a todas as comarcas, mas jamais entenderá o suplício que é chegar até elas.
Ainda mais sabendo que o valor sairá do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), destinado ao enfrentamento da calamidade. O armistício das parcelas não repassadas à União pela suspensão temporária do pagamento da dívida estadual tem que ser usado exclusivamente para esse propósito. Foi criado para esse propósito.
Não faz sentido agora uma aeronave no fim do mandato. O governador estará andando a jato enquanto o Rio Grande do Sul segue com uma velocidade de monomotor para a sua recuperação.
Que ele deixe o próximo mandatário decidir. A aquisição vai soar como instrumento para sua campanha eleitoral presidenciável — se seu nome for confirmado na corrida —, justamente no período de convenção e formação de alianças. Como ele não está mais apto a se candidatar ao Piratini, devido a sua reeleição, a oposição pode assumir a narrativa de que será seu transporte para renovar a sua base eleitoral em âmbito nacional.
Milhares de pessoas nem receberam a sua casa após as perdas da enchente. Estamos longe da metade da projeção de 17,3 mil novas residências a desabrigados, prometidas pelo Planalto.
Se o governador pretende acelerar a doação de órgãos ou a remoção de pacientes em estado crítico — já que o avião apresentaria também essa função —, que ele arque com as despesas diretamente de nossa receita e nomeie seu uso somente para tal finalidade nobre, numa espécie de SAMU dos céus. Sem que o veículo seja rateado para viagens ou demandas específicas de sua agenda de visitas e cobertura de eventos.
Pela suposição, uma das opções seria o modelo Phenom 300, da Embraer, um dos mais vendidos no mundo, que teria o custo fixo mensal entre R$ 90 mil e R$ 120 mil.
Já temos duas aeronaves: um Caravan e um King Air. É um luxo incrementar a frota. O que precisamos cuidar é de sua fiscalização para voos seguros.
Não é com um aviãozinho seminovo que combateremos futuras inundações e iremos amparar a Defesa Civil, mas com obras no sistema de drenagem, reativação de casas de bombas, desocupação das áreas de risco, abertura de reservas florestais nas margens ribeirinhas para o escoamento das águas, alargamento do canal de Rio Grande, campanhas de despoluição e multas rigorosas a indústrias que despejam resíduos nos rios.
Nossas proteções envelheceram. Parece que está tudo bem, e não está. Continuamos tão despreparados quanto no ano passado para as cheias.
Já acenamos demais dos telhados de nossas moradas submersas. Não queremos repetir a cena icônica da tragédia.