
Se Bernardo Boldrini estivesse vivo, estaria com 22 anos. Talvez já graduado em Direito de tanto ser advogado de si mesmo na infância. Talvez casado, finalmente descobrindo o que significa ser amado e formar uma família.
Mas o seu futuro foi terrivelmente apagado naquele 4 de abril de 2014. Terminou sedado e posto numa cova às margens de um rio em Frederico Westphalen (RS), coberto pela amnésia da terra, pela madrasta Graciele Ugulini e sua amiga Edelvânia Wirganovicz, em crime que teve como mentor o seu pai Leandro Boldrini.
Testemunhamos uma criança descartada, jogada fora, naquele mau exemplo de pai que nega o filho do relacionamento anterior para valorizar como único filho o do romance atual. Sua mãe havia falecido, e o garoto não contava com um segundo e natural paradeiro para escapar dos requintes da rejeição.
Bernardo não tinha a chave de casa, não tinha para onde ir, não tinha roupa adequada para o inverno, andava de chinelo no meio do frio, passava sem almoço, comendo de favor nos vizinhos, “preso” na rua na maior parte do tempo. Estava proibido de brincar com a irmã e falar com a madrasta. Só se lembravam dele no momento de lhe dar os remédios receitados pelo pai, prescritos caseiramente, sem nenhum acompanhamento terapêutico.
Era magrinho com seus trinta quilos, um menino mendigo às custas das sobras da família, que chegou a pedir socorro para o Conselho Tutelar.
Pelos vídeos familiares, torna-se evidente a intenção de enlouquecê-lo. Há imagens de Bernardo chorando, correndo, fugindo, sendo seguido pela câmera no maior desespero e clamando para que parassem de filmar, vendo a sua angústia questionada, o seu psicológico torturado.
Não sei o que foi mais triste: a sua sofrida existência ou o seu fim precoce, impregnado do veneno da dissimulação.
Por isso, eu aplaudo a decisão concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, que estipulou o retorno de Edelvânia ao regime semiaberto.
Edelvânia ficou conhecida como uma das cúmplices do cruel homicídio, tanto que ela apontou o local onde a criança estava enterrada.
Recebeu a pena de 22 anos e 10 meses de prisão pelo homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
Nem cumpriu metade da pena e já iria para prisão domiciliar — em razão da falta de vagas no sistema prisional, juiz da 2ª Vara de Execuções Criminais da comarca de Porto Alegre determinou que Edelvânia utilizasse tornozeleira eletrônica.
Ainda bem que o Ministério Público (MP) do RS colocou a boca no trombone. Ainda bem que o STF acatou a reclamação do MP.
Senão seria piada, soaria como um escárnio à memória do falecido.
Esses relaxamentos das sentenças por superlotação dos presídios agravam o sentimento de impunidade da população.
Já basta Leandro Boldrini — condenado a 31 anos e oito meses de prisão por homicídio quadruplamente qualificado e falsidade ideológica, atualmente em regime semiaberto no Presídio Regional de Santa Maria — ter sido selecionado a uma vaga no programa de residência médica do Hospital Universitário de Santa Maria. A sorte é que seu registro médico foi cassado pelo Conselho Federal de Medicina, também por intervenção do Ministério Público.
Como eles podem viver normalmente, se tiraram de Bernardo tudo, se privaram Bernardo de seu sonho de um dia crescer e assim conseguir se defender sozinho?