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Não haverá indiciamento e julgamento da presa mais polêmica e controvertida do Rio Grande do Sul.
Não haverá júri para encerrar uma trama entremeada de emboscada e terror num ambiente pacato, que resultou na destruição de uma família inteira.
A contadora Deise Moura dos Anjos, 42 anos, que estava detida preventivamente na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, sob suspeita de quatro homicídios duplamente qualificados por motivo fútil e com emprego de veneno, foi encontrada morta em sua cela.
Responderia pela morte de três pessoas da sua família, no dia 23 de dezembro, em Torres. As vítimas comeram um bolo envenenado com arsênio. Ela também era suspeita do falecimento do sogro, em setembro de 2024.
Tratava-se de uma possível serial killer, que agiria de modo dissimulado, mostrando-se religiosa e apegada na fachada pessoal e profissional, e, a que tudo indica, fazendo vítimas entre os mais próximos.
Dificilmente, diante das provas robustas, ela demonstraria a sua inocência. A polícia confirmou que Deise adquiriu arsênio quatro vezes em um período de quatro meses. Uma das compras ocorreu antes da morte do sogro, e as outras três, antes da morte de três pessoas que consumiram o bolo envenenado. Os fatos desembocam em seu nome. O veneno teria sido recebido pelos Correios. O documento estava salvo no celular da suspeita, apreendido durante a investigação.
Talvez ela mesma tenha se condenado. Ou se sentiu condenada. Talvez ela mesma tenha se julgado. Ou se antecipou ao pior, a viver para sempre atrás das grades.
Ou se assustou com a repercussão nacional de seu laboratório infernal, que até então era secreto e inacessível.
Temos, em nossa província, uma remontagem da tragédia grega Medeia, de Eurípides, daquela mãe vingativa, que assassina a futura esposa de seu marido, o pai dela, rei de Corinto, e, principalmente, os seus próprios filhos como parte de uma estratégia que visa infligir dor ao cônjuge e justiçar as traições sofridas.
Não se sabe a quem Deise queria castigar. Talvez os sogros que, pela influência sobre o marido, tiravam sua autoridade e voz de comando no casamento. Mas nem isso é claro, pois exames detectaram a presença de arsênio na urina do marido e filho.
Seus ataques pareciam generalizados.
Novamente vemos crimes insolúveis com um desfecho ainda mais enigmático.
Ele se suicidou ou foi suicidada? A questão precisa ser aprofundada.
A princípio, estava sozinha na cela.
Mas o que se passou de madrugada até a conferência matinal?
Por que não houve vigilância redobrada, já que ela era a peça-chave de uma longa e exaustiva apuração?
Como ela produziu as cordas para executar o ato? De suas roupas? Sem gerar nenhuma desconfiança?
Essas mortes misteriosas na prisão curiosamente costumam acontecer logo após uma transferência, como é o caso de Deise, detida em Torres (5 de janeiro) e realocada em Guaíba (6 de fevereiro).
Nosso sistema penitenciário falhou em sua segurança. Ela se mantinha sob a custódia do estado. Já o resto nunca mais saberemos. Ficaremos sem a solução redentora, o martelo do juiz, o veredito do júri, as últimas peças do quebra-cabeça.
É mais um óbito de uma coleção impune de óbitos.
Como diria Eurípedes: “foi uma alma sedenta por sangue”.