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Mariana e Vicente facilitaram a minha paternidade. São dois filhos que me ensinaram como agir. Bastava ouvi-los e aceitá-los. Vesti a transparência.
Vicente completou 23 anos na última quinta-feira. Nasceu no palíndromo 20022002, data mágica, capaz de ser lida de trás para diante.
Talvez isso explique o seu temperamento objetivo, claro, sem avessos. Não suporta mentiras, duplicidade, ambiguidade, verbo que não seja atitude.
Fica ofendido com injustiça. Reúne as distintas versões dos fatos para opinar. Dentro dele, existe uma delicadeza para conseguir que o interlocutor mude de perspectiva como se ele próprio fosse descobrindo a verdade sozinho.
Possui uma fala mansa, mas determinada. Não sobe o tom de voz, e sim o volume da empatia. Divergências são suavizadas com “eu entendo o seu ponto de vista”. Ninguém resiste depois de ser legitimado.
Realmente escolheu o melhor curso para exercitar o seu dom: Relações Internacionais, na UFRGS. Sua formatura será em 27 de março.
Mas ele poderia ter sido cineasta. Poderia ter sido escritor. Não duvido de que ainda se torne. Não duvido de coisa nenhuma. Vem sendo cada vez mais ele mesmo.
É acolhedor como a sombra de uma árvore no verão. É discreto como o primeiro vento da manhã.
Não tem redes sociais. Não faz questão de aparecer. Combate a vaidade com o estudo.
Nunca pensei que um filho também seria meu melhor conselheiro.
Quando ando com ele na rua, revela o superpoder de trocar rapidamente de lado. Vou olhar para a esquerda, ele já está na direita. Eu o perco de repente pelo prazer de ganhá-lo de volta em seguida. Ele cria saudades estando junto.
Tudo o que indiquei para ele, ele leu. E leu muito além do que li, encontrando seus parentes na palavra. A biblioteca é a nossa parede, os livros são os nossos quadros.
Sei que ele escreve diários em caderninhos numerados. Não tenho ideia do conteúdo. Notei apenas que sua letra amadureceu com a prática da verdade. Era miúda e foi se esticando.
A gente conversa todo dia. Nunca pensei que um filho também seria meu melhor conselheiro.
Somos colorados fanáticos. Somos viajantes natos. Somos adoradores de pudim de leite.
Eu o amo tanto que chega a doer. Mas essa ligação não padece de sofrimento, é como aquela gargalhada que dói, que dobra o corpo pelo acesso de cumplicidade.
Foi com Vicente que eu valorizei a urgência de cumprir as promessas. Ele é torcedor do Indiana Pacers. Na sua infância, eu disse que iria levá-lo para assistir aos jogos do seu time de basquete pela NBA em Indianápolis. No ano passado, estávamos lá no Gainbridge Fieldhouse.
Ele me encarava diferente. Com os olhos encerados.
Perguntei:
— O que foi?
Ele respondeu:
— Nada!
Esse nada entre pai e filho é tudo. Quando nada falta.
Que seus sonhos se realizem, Vicente, e que suas realidades sempre virem sonhos.