Por que as mulheres não acreditam no elogio?
Antes pensava que era modéstia, até descobrir que elas são genuinamente céticas. Assumem que a referência é falsa, mera educação, que jamais representa um fato.
Não adianta insistir no cortejo. Elas não mudam de opinião com a reiteração do enaltecimento de seus dotes. Ficam, inclusive, irritadas e tomam a teimosia como inconveniência.
Podem ser lindas, exuberantes, carismáticas, mas continuam se pondo restrições, ou privilegiando falhas imperceptíveis.
Por que agem assim?
Porque se dão conta da encenação.
São vítimas de uma sociedade que não aceita o envelhecimento feminino e que, paradoxalmente, exalta o charme de homens grisalhos.
São reféns de uma cultura erótica, marcada pela objetificação, que demanda ajustes eternos para que elas se mantenham atraentes.
Como confiar no elogio se elas são sempre cobradas?
As exigências opressoras do mundo machista acabaram, infelizmente, internalizadas.
Lembro-me de uma antiga propaganda do sabonete Dove — alguns comerciais são epifânicos como pequenos filmes.
Nela, um desenhista de retrato falado, que trabalhou para a polícia na identificação de foragidos, é convocado para um desafio.
Uma mulher sentada numa poltrona, de costas, relata para ele como ela se enxerga.
E, na sequência, essa mulher é descrita por um estranho que a viu uma única vez.
São dois perfis traçados lado a lado, dois quadros da mesma figura.
O retrato feito a partir das observações da própria pessoa não se assemelha em nada com a pessoa. Porque ela somente se coloca defeito, ela somente chama atenção para o que falta, não para o que tem.
A insatisfação consigo cria a distorção da autoimagem.
Já o retrato feito a partir das observações de um estranho é muito mais parecido com quem posava, pois ele se vale da lealdade à aparência, não está influenciado pelas emoções e pela subjetividade da modelo.
Essa experiência prova a dificuldade que cada um enfrenta para se enxergar, para admitir a qualidade de suas feições, para destacar as suas virtudes, e gostar de si.
Sempre é um nariz que você considera grande demais. Ou um lábio muito fino. Ou orelhas abertas. Ou um queixo contraído. Ou escassez ou excesso de sobrancelhas. Ou bochechas em demasia. Ou pálpebras pesadas.
O ponto central desse laboratório humano era mostrar uma doença da contemporaneidade: a descrença da objetividade por uma simetria biônica e inatingível.
A idealização faz as mulheres sofrerem, nunca se achando suficientes, nunca se achando prontas, nunca satisfeitas com as suas características físicas.
Apesar de se olhar todo dia no espelho, a protagonista da propaganda não é capaz de se conhecer ou de se reconhecer, sobrepondo fantasias e queixas nos reflexos. O excesso de crítica a distancia da realidade.
Ao buscar uma beleza genérica, ela combate a sua genética e desperdiça a sua singularidade, as suas diferenças, a sua originalidade.
E quem olha para ela uma única vez, ainda que de relance, torna-se mais fiel no retrato falado.
Até onde vai a loucura pela magreza? Até onde vai a obsessão pelo corpo perfeito?
Certamente, para longe da verdade.