Meus dois filhos estão formados.
Ou quase. Só falta o segundo filho jogar para o alto o capelo e colar o grau. Vicente, 22 anos, tem a sua formatura em Relações Internacionais na UFRGS marcada para março, e acabou de ser aprovado com A na defesa da monografia na manhã de quarta-feira (15).
Mariana, 31 anos, já é graduada em Letras pela UFRGS, dedica-se a traduzir e revisar, e está completando o mestrado.
Eu assisti à banca de Vicente com curiosidade e aflição. Até porque não é a minha área de atuação. O título do TCC era Sustentação de um Regime: uma Análise da Política Externa do Egito sob o Governo Al-Sisi (2014-2024), orientado por André Luiz Reis da Silva. Grosso modo, o trabalho buscava entender como a política externa tem sido usada para sustentar um regime ditatorial por meio de apoio estrangeiro.
Não foi fácil observar meu filho sendo questionado e não poder falar nada. Não é fácil ser uma sombra com a câmera e o áudio desligados. Não é fácil ser uma testemunha muda.
Talvez tenha sido uma das experiências mais frágeis da minha condição tutelar. Eu senti que estava me despedindo de uma versão minha e dele. É como empurrar o banco da bicicleta e deixar o filho ir sozinho. Mesmo sem saber se ele vai cair ou não na pedalada solitária, você deve aguentar. Faz parte do processo do amadurecimento permitir que ele vá e se defenda na vida.
A tribuna composta pelos professores Guilherme Ziebell de Oliveira e Eduardo Ernesto Filippi mostrou exigências de pós-graduação. Eu vibrei pelo rigor, pelo tratamento de gente grande concedido ao filho, assim como temi por ele.
Não eram dois profissionais batendo nas costas. A banca não representava uma fachada, uma encenação, desejava o rim e o coração do sabatinado funcionando plenamente.
Enquanto Vicente apresentava suas lâminas e discursava, eu me questionei: quem era aquele adulto barbudo, desembaraçado e seguro de suas teorias?
Não parecia mais meu filho. Era um outro. Não mais o menino de dicção tímida, para dentro. Não mais o menino de franja e dependente. Não mais o menino que ficava frustrado com qualquer derrota e queria repetir o jogo até vencer.
Havia uma serenidade nova, um equilíbrio inédito, uma postura mediadora. Ele acolhia as críticas e os senões com desenvoltura. Não se percebia pressionado, diminuído, não levava nenhuma discussão para o lado pessoal. Elogiava o ponto de vista da arguição, ainda quando ela apontava defeitos ou lacunas no seu texto, e justificava as suas decisões com objetividade, assumindo o peso e as consequências das suas escolhas. Caminhava no plano das ideias, sem vaidade, sem medo, conversando de igual para igual com os seus mestres.
Eu tentava conhecê-lo melhor durante o seu esforço para obter compreensão nas réplicas, assombrando-me ao ver como cresceu, como o tempo voou, como tudo passa rápido, como não reparamos na estranheza da intimidade, na intimidade da estranheza.
Nos minutos de suspense para a definição da nota, surgiu na tela do meu celular um SMS da formalização do cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
A trégua de 42 dias prevê a libertação dos reféns em Gaza e dos prisioneiros palestinos. O acordo foi confirmado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, por Donald Trump e líderes do Catar e do Egito, interrompendo uma guerra que já durava 15 meses.
Nunca mais nos esqueceremos desse dia. Da força da diplomacia dentro da universidade e fora dela.