Tudo especial, de primeira? Tudo joia, e um pouco de bijuteria?
Queria falar de um sujeito que eu conheço desde 2016. Não é amigo secreto, mas declarado.
Ele adora expressões paradoxais como “mais firme do que prego em polenta”.
Na infância, vivia na rua: futebol, bola de gude, campeonato de botão. É da época em que a casinha do jogo do taco era formada de dois gravetos: um quebrado e outro dobrado. Muito antes da casinha Nutella, feita com lata de azeite.
Namorava baleiros, girando o globo, a redoma cintilante cheia de jujubas, seu carrossel dos dedos.
É carinhoso com a escrita, mesmo que seja para rápido bilhete. Conserva a letra bonita, com os pingos nos is. Como se ainda estivesse escrevendo naquele caderno de caligrafia da meninice, que tinha duas linhas, uma para maiúsculas e outra para minúsculas.
Aprendeu a ser obediente ouvindo a reprimenda de seus pais: “filho meu não faz isso”.
É cachorreiro. Os cachorros são seus estagiários, suas fiéis companhias na solidão dos hábitos.
Sempre recomenda que, para cuidar da voz, nada melhor do que gargarejo com salmoura em água morna. Talvez explique o vozeirão que ele tem.
Veio da cobertura esportiva, a melhor escola do rádio, com boletins ao vivo e improvisos repentinos.
Do que ele mais gosta é de dormir até tarde. Calhou que madruga diariamente. Começa a trabalhar às 5h.
Não é adepto de pijama. Admira quem usa, mas é do time do calção ou abrigo.
Anda pela casa com chinelo de dedo e meia. Dá uma puxadinha na ponta da meia para encaixar as tiras.
Não se importa de ser careca. Brinca que é “tobogã de mosquito”.
Bebe vinho a cada quinze dias. Mas nem assim é capaz de dançar.
O segredo de seu casamento com dona Cristina é amizade. Juntos desde 1979, eles têm três filhos (Rafael, Bibiana e Guilherme).
A aliança ficou torta depois de tanto tempo. Já utilizou martelinho de ouro para endireitá-la.
O amor aconteceu por um predestinado acaso. Ele era repórter e foi escalado para a cobertura da volta do exílio de Leonel Brizola. Por falta de quarto no hotel em São Borja, a equipe acabou acomodada na residência de um brizolista: a do seu futuro sogro. Lá, encontrou Cristina, numa paixão doida à primeira vista.
Meu amigo sente pavor de gente que cumprimenta com a mão mole. É como apertar a mão de um morto. Quando guri, um senhor lhe ensinou: cumprimente com vontade para não parecer descaso.
Ele possui opiniões firmes, decididas. Jamais terceirizou a formação do caráter.
Tudo o que você lhe diz entra pelo ouvido e sai pelo seu coração.
Ele é capaz de consertar varetas de guarda-chuva, trocar a sola do sapato. Apegado, não desiste de nada facilmente.
Para se ter ideia do seu perfeccionismo, ele se desafia a manter a casca inteira sempre que descasca alguma fruta.
Qual o segredo do seu sucesso?
Uma vez ele me confidenciou:
— Nunca perder o brilho. Quando essa chama apaga, adeus.
Estou descrevendo o iluminado Antonio Carlos Macedo, que completa cinquenta anos de jornalismo e quarenta de RBS — orgulho dos saudosos pais Adão e Ilse.
E é Antonio sem acento. Descobriu tarde, no quinto ano do ensino fundamental, quando levou certidão de nascimento para a professora.
Não pergunte a idade dele. Lenda não tem idade.