Nem Mato Castelhano escapa das balas perdidas. Nem o pequeno município gaúcho, com 2,5 mil habitantes, a 300 km de Porto Alegre, está imune à barbárie.
Durante assalto a um hotel da cidade, na madrugada de quinta-feira (25), dois professores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Fabiano de Oliveira Fortes, 46 anos, e Felipe Turchetto, 35, acabaram assassinados durante ação de criminosos.
Ambos se formaram na graduação e na pós-graduação da UFSM. A comunidade universitária de Santa Maria está profundamente abalada. É um novo golpe a uma instituição com chagas históricas, que já amargou a morte de centenas de estudantes na tragédia da Boate Kiss.
Os docentes eram responsáveis por excursão. Junto de outro colega, levavam um grupo de quinze alunos do curso de Engenharia Florestal para uma visita de campo à Floresta Nacional de Passo Fundo, que se estende até a região.
Os assaltantes, ainda foragidos, renderam hóspedes, funcionários e a proprietária do estabelecimento. As vítimas retornaram ao local na hora errada, no momento do cativeiro dos reféns, e foram covardemente baleadas — parece que toda hora e todo local, hoje em dia, são errados.
A violência costumava ter regras e exceções, e nem elas são mais respeitadas, numa boçalidade galopante e desesperadora, reflexo de uma sociedade degenerada.
Não temos ideia de onde vamos parar. É a generalização do medo.
Além de ataques escandalosos em cidadezinhas, rompendo com a tranquilidade e proteção do interior, as quadrilhas mudaram de alvo. Antes se restringiam a lojas, bancos, restaurantes e bares, e agora começam a expandir perigosamente seus tentáculos a aeroportos (como em Caxias do Sul, com a baixa de um policial militar) e hotéis, em que ninguém espera emboscadas.
Os professores perderam suas vidas no exercício de suas funções. Estavam movidos por ideais altamente louváveis. Procuravam gerar exercícios lúdicos, ultrapassando os limites da lousa.
Em vez de se acomodar e cumprir apenas o currículo, desejavam preparar os jovens para o mercado de trabalho, desenvolver uma apurada consciência crítica. Queriam transmitir dilemas da profissão por meio de visitas guiadas, queriam casar teoria e prática, queriam ensinar fundamentos da natureza a partir da observação, queriam sair da virtualidade e possibilitar o laboratório de experiências reais.
Mas sequer as aulas a céu aberto se mostram seguras. Não sobra nenhum esconderijo. Resta ensinar trancado em uma sala. Isso até as universidades não serem também invadidas pelo crime.
Como convencer as famílias a autorizar expedições daqui por diante? Qual a garantia de que os filhos regressarão ilesos?
O que deveria ser uma lembrança feliz de convivência de uma turma, unida pelo amor ecológico, tendo o contato próximo e diário com os seus mestres, tornou-se uma relíquia macabra, um pesadelo, um trauma do ensino no Rio Grande do Sul.
A algazarra do ônibus partindo ao acampamento científico, com canções e projetos, se reduziu a uma volta precoce no dia seguinte, com o cortejo silencioso a dois dedicados profissionais.
O futuro se abreviou num instante, em fulminantes e rápidos estampidos, que vão demorar muito tempo ferindo os nossos ouvidos.