Experimentamos um cruel negacionismo que resultou em mais de 700 mil mortes.
O boicote aos efeitos da covid-19 se desenrolou diante de uma plateia planetária, que estava enfrentando o mesmo vírus.
Mas prorrompe, silenciosamente, um negacionismo interno em relação à dengue. Quando o problema é localista, por peculiaridades sanitárias, sem os olhos do mundo, parece que o nosso descaso aumenta.
Tragédias nacionais não chamam tanto a atenção quanto tragédias internacionais.
Vivemos uma nova epidemia, agora do Aedes aegypti. E não vejo nenhuma ação enérgica, eficaz e impositiva do Governo Federal para a aquisição de mais vacinas.
Cadê aquela postura diferente da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva no enfrentamento das calamidades?
Temos 20 mil novos casos de dengue em 24h. Aproximamo-nos das 400 mil infecções. Já contabilizamos 40 mortes.
Se não é motivo para alerta vermelho, testemunharemos um segundo capítulo de ignorância letal no sistema de saúde.
A escala da doença é vertiginosa. Não adianta a vacinação ocorrer de forma lenta e progressiva, respeitando o número limitado de doses produzidas pela indústria japonesa. Nosso parâmetro deveria ser o número de infectados, jamais a demanda farmacêutica.
Ficaremos encalacrados com a lotação dos hospitais.
Dada a rápida multiplicação de casos, é placebo nos valermos apenas de cuidados fundamentais na rotina, como tampar as caixas d'água, descartar o lixo corretamente, manter as vasilhas dos animais sempre limpas, guardar garrafas e pneus em locais cobertos e retirar água acumulada dos vasos.
A prevenção necessita de vacina para todos.
É imperioso buscar alternativas. Com a eventual carência da Qdenga, do laboratório japonês Takeda, que tal tentar a outra vacina também aprovada pela Anvisa, a Dengvaxia, do francês Sanofi? Ou quem sabe fornecer estrutura para apressar a produção nacional do Butantan? O instituto tem sua vacina prevista para o próximo ano e conta com a vantagem de ela ser administrada em dose única.
O Ministério da Saúde recebeu a primeira remessa da vacina contra a dengue, com cerca de 750 mil doses. Um segundo carregamento, com 570 mil doses, deve ser entregue neste mês. Haverá 5,2 milhões em nosso estoque, a serem distribuídas para duas aplicações com intervalo de três meses. É muito pouco, são doses para suprir 1,5% da população numa assistência ainda restrita à faixa etária de 10 a 14 anos.
Tamanha a procura, o imunizante Qdenga esgotou nos laboratórios privados, apesar do preço salgado que varia de R$ 300 a R$ 400 por dose. Não encontramos mais repelentes nas farmácias.
O pânico se instalou definitivamente nas famílias brasileiras, a ponto de querermos identificar se os mosquitos que surgem são listrados ou não.
As cidades gaúchas têm a sua situação agravada por não terem sido incluídas nas localidades prioritárias para a campanha inicial de vacinação. Há infestação em 93% dos nossos 497 municípios. Apresentamos mais de 2,5 mil diagnósticos confirmados. Registramos dois óbitos, em Tenente Portela e Santa Cruz do Sul.
Será que não está na hora de o governo do Estado dar o exemplo e correr atrás do imunizante, mesmo que a responsabilidade seja da alçada do Ministério da Saúde?
Porque simplesmente não existimos para o Governo Federal. Nosso ostracismo é acachapante.