Tenho o costume de falar ao telefone com amigos pelo viva-voz. Vou de um lado para o outro da casa, sem a necessidade de segurar o aparelho no ouvido. Não corro o risco de sair da conversa com a orelha queimando.
Posso realizar várias tarefas ao mesmo tempo enquanto coloco o papo em dia. Sigo narrando do quarto, do escritório, da varanda os acontecimentos mais pitorescos da minha semana. Só evito percorrer a área de serviço, onde a conexão falha.
Mas sofro com uma barreira para meus diálogos socráticos, para meus devaneios caminhantes: a minha esposa.
Ela é meu pedágio. Quando estou com um amigo ao telefone no mais desenfreado blá-blá-blá e passo por ela, Beatriz faz alguma mímica. Um sinal com as mãos. Não entendo o que ela quer.
A esposa nunca sabe por que está batendo, mas é como se o marido sempre soubesse por que está apanhando.
Não poderia olhar para ela. Caio na tentação de ver como ela está, mesmo que de relance.
É o efeito Medusa. Não aprendi com a mitologia a prédica de desviar o olhar de quem é mais poderoso na relação.
Começo a ficar empedrado, nervoso, tenso: ela ouviu parte da conversa? Eu disse algo errado? Repriso em pensamento o meu discurso, decupando as últimas perguntas e respostas, verificando a possibilidade de uma polêmica.
Não mais escuto o amigo, que nota o meu balbucio súbito e a minha vacilação estranha. Enfrento tanto a gagueira quanto a dificuldade de decifrar a mensagem. O que ela deseja? É como brincar de Imagem e Ação com uma criança e manter a serenidade da voz com um chefe na linha simultaneamente.
Sinto que ela grampeou as minhas confissões, interceptou o meu raciocínio. Não emite sons, apenas mantém a urgência de sua linguagem corporal.
Será que esqueci a chaleira fervendo, a geladeira aberta apitando? Vistorio a cozinha e não vejo nenhum problema, nenhuma distração de minha parte.
Volto a olhar para Beatriz, e ela não para com a sua coreografia, com os braços aflitivos de náufraga em ilha deserta pedindo socorro a um avião. Eu sou o avião. Só falta a fogueira.
Bate um desespero em pleno voo com as turbulências daquela amada figura na minha frente. Já antecipo que enfrentarei uma discussão de relacionamento, que advogarei as ideias de meus comparsas, argumentando que ela ouviu uma afirmação pela metade, distorcida, fora de contexto.
Sou obrigado a desligar, a pousar fora da pista. Meu amigo não entende patavinas do que está acontecendo. Finjo que caiu a conexão na área de serviço.
Chego perto dela e pergunto:
— O que houve?
— Nada! Era só para mandar meu abraço ao seu amigo.
Preciso agir com menos culpa. Todo homem porta-se como um suspeito. Pensa que cometeu um deslize.
A esposa nunca sabe por que está batendo, mas é como se o marido sempre soubesse por que está apanhando.