Existe uma tradição no litoral gaúcho: caminhar a esmo pela praia.
Você toma banho de sol, de mar, bebe e come nos quiosques, vem a culpa de tudo o que consumiu e decide caminhar.
Mas não é uma caminhada esportiva e planejada. É decidida na hora, sem destino, sem lenço nem documento. Você não quer assumir uma promessa e se prender a um objetivo que depois será cobrado pelos parentes. Não tem ideia do paradeiro final. O percurso depende do seu momento espiritual, de como se acordou e da sua disposição naquela manhã.
Unicamente marca o seu referencial de partida: ou o número da casinha de salva-vidas, ou um prédio mais ostensivo da orla, de preferência alto e com alguma característica peculiar. E parte de pés descalços, saboreando as ondas mais assanhadas.
Em certos dias, escolherá o lado direito, noutros, o esquerdo. O nordestão talvez influencie a sua tomada de decisão, se quiser ir contra ou a favor do vento.
Você vai atravessando as praias vizinhas, ganhando confiança para ir mais adiante e, ao mesmo tempo, temendo não ter fôlego para o retorno
Migrações de banhistas estarão ao seu lado fazendo igual. Todas carregando o par de chinelos nas mãos.
É uma coreografia coletiva de estampas coloridas de biquínis e de calções, de costas avermelhadas ou de dorsos bronzeados.
Pode aproveitar o momento para andar em dupla, com a esposa ou marido, ou amigo, ou filho, para retomar algum assunto antigo e aprofundar uma discussão em aberto. Grandes questões são resolvidas nas pernadas marítimas.
Em vez do assustador “vamos conversar?”, você usa o tranquilizador “vamos caminhar?”.
Vira um convite, não uma intimação.
Sem forçar confidências, elas vêm. Desabafos gostam de conchas e mariscos. A despretensão da maresia facilita entendimentos e pedidos de desculpa.
Quantos familiares acertaram as suas diferenças em frugais conversas pela extensão de nossas areias?
Partiram amuados do ponto fixo das cadeiras e do guarda-sol e voltaram milagrosamente sorridentes, pacificados.
As dunas são terapêuticas, o oceano farfalhante é leniente. Não há a pressão das paredes nem a ameaça do interrogatório e daquela verdade dita à queima-roupa. Ninguém vai se sentir pressionado para falar e ouvir.
Caminhar relaxa. Você vai atravessando as praias vizinhas, ganhando confiança para ir mais adiante e, ao mesmo tempo, temendo não ter fôlego para o retorno. Experimenta um sentimento misto e delicioso de ousadia e receio. No fundo, todo adulto é uma criança buscando se aventurar e com medo de se perder.
No regresso, vai se orgulhar de relatar o seu trajeto para a sua turma. Se saiu, por exemplo, de Capão da Canoa, contará vantagem de que foi até Rainha do Mar.
Receberá os cumprimentos por ter ido tão longe. Mal sabem os quilômetros que percorreu em sua alma.