A mãe insistia com o trabalho inútil de embrulhar o meu presente de Natal. Era sempre uma bola, e a bola é o único presente no mundo que não admite embrulho ou surpresa. Nenhum papel ou durex consegue vedar por completo a circunferência.
Meu presente quicava, despindo-se logo da sua roupa desajeitada e apressada da loja.
As bolas contavam com números que definiam o seu tamanho: 1, 2, 3, 4 e 5.
Um sentimento de luto dominava os meninos quando a bola morria.
Eu escolhia a de número cinco, a oficial. As outras custavam menos e às vezes quebravam o galho diante das dificuldades financeiras.
Talvez a minha grande inaptidão para definir o que quero nesta época do ano venha do fato de ter recebido o mesmo presente durante toda a infância. Eu me alienei de pensar em uma segunda opção.
Meus irmãos e eu encampávamos a missão de fazer a bola durar até o aniversário de cada um de nós, para a devida reposição. No meu caso, sua sobrevivência deveria levar dez meses.
Sua morte era lenta, gomo por gomo. Ela ia se descascando pelo uso. Havia uma pele adicional que rapidamente se desfazia pelos paralelepípedos ou campinhos de terra batida.
Passávamos sebo nas costuras e no couro para não rachar.
Como jogávamos na maior parte do tempo na rua, de garagem a garagem, de portão a portão, parando apenas quando um carro aparecia, existia o risco de encontrar uma ponta afiada em alguma árvore ou muro.
Ela não murchava imediatamente, sem salvação, como as de poliuretano de hoje.
Sua bexiga saltava para fora. Agonizava com o abscesso, com a hérnia externa, com a válvula dilatada.
Ela deixava de rolar. Assumia uma condição triangular, como a pelota do futebol americano. Tentávamos protelar o seu fim o máximo possível, mas a pelada ficava quase inviável. Você chutava para o lado esquerdo e ela ia para o direito. Havia um montinho artilheiro incrustado em sua superfície irregular.
Um sentimento de luto dominava os meninos quando a bola morria. Ficávamos sem o nosso passatempo até um de nós, com jeitão de cientista maluco, agir como cirurgião e usar fios de arame dobrado por dentro da costura para ressuscitá-la.
Nossos gols balançavam as grades dos portões, quebravam as cercas de madeira, afundavam as portas de correr. Meus pais gastaram uma bagatela trocando trimestralmente as roldanas da nossa garagem.
Os campeonatos do bairro só terminavam suspensos quando alguém quebrava uma vidraça. Ou atingia a cabeça de um idoso tomando tranquilamente seu mate na varanda.
Começávamos uma longa negociação de resgate da bola com os vizinhos lesados, enviando a polícia antichoque dos guris mais velhos para apertar a campainha e pedir perdão.
Pela bola, e unicamente pela bola, colocávamos o orgulho de lado, e nos ajoelhávamos, e nos humilhávamos. Era bonito ver a nossa humildade pelo futebolzinho coletivo.