
Apesar do rigor da chamada Lei Seca, os acidentes de trânsito relacionados à embriaguez ao volante continuam crescendo no Brasil. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), o número de ocorrências em 2024 aumentou 7% em comparação ao ano anterior. Ao todo, foram 3.507 registros, com 178 mortes e 2.828 feridos. Em 2025, a estatística mais recente da PRF refere-se ao período do Carnaval, entre 28 de fevereiro e cinco de março. Nesse intervalo, o total de motoristas presos por dirigirem sob efeito de álcool subiu 10,34%, enquanto as autuações por embriaguez aumentaram 33%. A percepção de que a situação não apresenta melhora é reforçada pelos inúmeros casos noticiados diariamente.
No Rio Grande do Sul, um dos episódios mais impactantes ocorreu em 23 de março, na cidade de Rio Grande. A professora universitária Aimée Teresa González Bolaños, de 81 anos, reconhecida internacionalmente por sua trajetória acadêmica, foi atropelada e morta por um motorista embriagado enquanto caminhava pela calçada da Avenida Rio Grande, na Praia do Cassino.
A questão do álcool é complexa e extrapola os riscos no trânsito. Seu consumo abusivo configura grave problema de saúde pública, gerando pesado ônus financeiro para o Sistema Único de Saúde (SUS). A despesa com hospitalizações e atendimentos ambulatoriais chega a cerca de R$ 1,1 bilhão por ano. Quando somados os custos indiretos — como aposentadorias precoces, afastamentos por doença e perda de produtividade — o impacto ultrapassa R$ 18,8 bilhões anuais, conforme levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Diante desse cenário preocupante, causa perplexidade que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre leve adiante dois projetos para ampliar o acesso ao álcool na capital gaúcha. Um deles, de autoria do vereador Marcio Bins Ely (PDT), quer liberar a venda em estádios de futebol. O outro, apresentado pela vereadora Fernanda Barth (PL), pretende revogar a proibição do consumo em postos de combustíveis. As justificativas apresentadas carecem de embasamento técnico e são baseadas em impressões subjetivas dos parlamentares. Claro que tais propostas devem ser contestadas. Se o papel do legislador é proteger e promover o bem-estar coletivo, facilitar o acesso ao álcool em locais públicos caminha claramente na direção oposta.
A flexibilização só favorece os beberrões e quem lucra com a produção e venda de bebidas. Para o restante da população, ela só aumenta a exposição ao risco de acidentes, especialmente para quem não bebe e acaba sendo vítima de motoristas irresponsáveis. Diante do exposto, resta saber de que lado ficará a Câmara Municipal de Porto Alegre. Do compromisso com a segurança da população ou da permissividade disfarçada de liberdade individual?