
O movimento pela anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 é uma inaceitável tentativa de passar a borracha sobre os crimes cometidos e fazer de conta que não aconteceram. A narrativa de que os presos são "pessoas honestas, sem antecedentes, que não sabiam o que faziam" é desonesta.
Os ataques aos Três Poderes, em Brasília, foram deliberados. Os vídeos daquele fatídico dia mostram uma ação orquestrada, com centenas de pessoas vestidas com as cores nacionais destruindo símbolos da República e exigindo a intervenção militar. Muitos foram financiados por empresários bolsonaristas, transportados em ônibus fretados e encorajados por figuras públicas que hoje, cinicamente, pedem clemência.
Houve vandalismo, violência e uma tentativa escancarada de ruptura institucional, por pessoas que, na maioria dos casos, sabiam exatamente o que estavam fazendo. Perdoá-las agora deixaria um recado claro: "não dá em nada". Ficaria implícito que é possível tentar sabotar o processo democrático e sair ileso.
Em futuras eleições, qualquer grupo insatisfeito poderá se sentir legitimado a agir com truculência, confiando na impunidade. O argumento de que muitos dos condenados são cidadãos sem antecedentes é frágil e oportunista.
O fato de alguém não ter ficha criminal não apaga a gravidade de participar de um levante golpista. E, sejamos francos, Jair Bolsonaro e seus aliados não estão preocupados com o pipoqueiro, a diarista, a manicure ou o sorveteiro punido. O verdadeiro interesse do ex-presidente é outro: blindar a si mesmo, criando um escudo preventivo para possíveis punições que possam alcançá-lo no futuro.
Depois, comparar o atual quadro com a anistia de 1979, como aconteceu durante o ato público do último domingo, em São Paulo, é uma tremenda distorção histórica. Aquele perdão foi fruto de uma longa e árdua luta da sociedade civil contra uma ditadura militar que já se estendia por 15 anos. O Brasil vivia sob um regime marcado por tortura, censura, repressão violenta e exílio de opositores.
Naquele contexto, a anistia buscava restaurar a justiça e a liberdade, não apagar crimes de quem pretendeu derrubar uma democracia já conquistada. Que os golpistas de agora sejam punidos, e que o país aprenda — de forma firme — que tentar destruir as instituições tem preço. As condenações estão sendo exageradas? Então, que as penas sejam revisadas e reduzidas. A democracia é que não pode ser refém do medo, da chantagem e, muito menos, de quem tenta destruí-la.