Empresa de Taquara envolvida na fraude do leite continuava operando mesmo depois de sofrer 16 sanções do Ministério da Agricultura em dois anos. Ainda sem julgamento, o engenheiro denunciado há 11 anos na primeira etapa da Operação Leite Compen$ado volta a ser preso em nova investigação sobre adulteração do produto. Dezessete mil motoristas escapam de processo de cassação da carteira de motorista por falha do Detran. Ibama só arrecada cinco por cento das multas ambientais que aplica. Segunda turma do Supremo Tribunal Federal marca para fevereiro julgamento contra decisão que retomou validade do júri da Boate Kiss e ordenou prisão dos condenados.
Embora sem relação direta, os fatos citados têm um traço em comum: são exemplos da impunidade existente no Brasil. É um veneno que se espalha pela sociedade, fragilizando o Estado de Direito, corroendo a confiança nas instituições e renovando um ciclo vicioso de desrespeito às leis. O pensamento de que "não dá nada" incentiva a corrupção, a violência e a desigualdade. A lentidão da Justiça é uma das causas: processos que se arrastam por anos permitem que crimes fiquem impunes. O caso da Kiss não foi citado por acaso: quase 12 anos depois, o julgamento da tragédia que matou 242 pessoas em Santa Maria ainda não acabou, para frustração de familiares e amigos das vítimas em busca de justiça.
A culpa, contudo, não recai apenas sobre o Judiciário. Magistrados aplicam as leis aprovadas pelo Congresso. Nesse sentido, a percepção é de que o "andar de cima" da sociedade promove um movimento de autodefesa, criando atalhos legais que exigem bons e caros advogados, o que, na prática, beneficia só as elites. Isso gera um grande paradoxo nacional: enquanto os poderosos se aproveitam de brechas legais para escapar das condenações, milhares de acusados pobres e sem recursos mofam sem julgamento nas prisões. Esse contingente equivale a 25% dos presos brasileiros, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024.
A impunidade também é evidente na esfera administrativa. Burocracia, excesso de recursos, ações judiciais e falhas estruturais dificultam a punição dos infratores, estimulando a reincidência. Muitos acreditam que a solução para a impunidade está na criação de leis mais rígidas. Pode ser. Mas entendo que seria meio caminho andado se a gente aplicasse as já existentes de forma mais rápida e efetiva. Pois, como disse há mais de um século o grande Ruy Barbosa, "justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".