Viúvo de Maida Berenice Flores da Silva, uma das mulheres que morreu em razão do bolo envenenado em Torres, Jefferson Luiz Moraes, 60 anos, ainda mora no apartamento onde a família comeu a sobremesa.
Na primeira entrevista que concedeu após a tragédia do bolo envenenado, que matou outras duas mulheres, além da esposa, Jefferson relembra os últimos momentos delas e desabafa:
— Agora tem de seguir em frente. Tá muito difícil. Tenho de reconstruir tudo. Ainda bem que eu tenho dois trabalhos, então eu vou focar no trabalho. Porque quando eu começo a trabalhar, consigo dar uma desligada — desabafa.
A decoração do local foi mantida como estava na tarde de 23 de dezembro: enfeites, montados por Maida, seguem em todos os cômodos. A equipe da RBS TV esteve na residência, onde conversou com Jefferson.
Maida morreu aos 58 anos após comer o bolo no dia 23 de dezembro. Neuza Denise Silva dos Anjos, irmã dela, e Tatiana Denise dos Anjos, filha de Neuza, também morreram.
Zeli dos Anjos, irmã de Maida e Neuza, preparou o bolo. Ela chegou a ficar internada, mas sobreviveu e teve alta do hospital. Sua nora, Deise Moura dos Anjos, está presa por suspeita de envenenar o doce com arsênio, em razão de desavenças com a sogra.
Na confraternização estavam ainda uma criança de 10 anos, filho de Tatiana, e João, marido de Neuza — o único que não comeu o bolo. Deise não estava presente.
Segundo Jefferson, Zeli e os demais familiares chegaram no apartamento de Torres por volta das 14h do dia 23 de dezembro.
O bolo foi partido e dos sete presentes, seis comeram. Ele conta que sentiu um gosto ardido, ácido, que disse ser semelhante ao do gengibre. Mas o sabor foi mascarado pela cobertura de açúcar.
De acordo com ele, em minutos, todos os que tinham comido começaram a passar mal.
— Quando a Zeli comeu, ela já se levantou, sentou na cadeira, ficou inquieta. Daí a Neuza foi comer, deu uma mordida, a segunda, a Zeli disse: "Não, não come, porque não tá legal esse bolo". Foi então que Zeli saiu correndo e começou a vomitar — relatou Jefferson.
Segundo ele, Tatiana e Maida passaram mal, mas não vomitaram. Ele acredita que quem vomitou, sobreviveu.
— Só tá vivo quem, desculpe falar, vomitou. Quem não vomitou não tá vivo — disse.
Jefferson afirma que manteve o doce intacto para que a polícia pudesse investigá-lo. Ele descreve a sequência de eventos como um "filme de terror".
— Mas a gente não estava sabendo ainda que ia ser tão grave. Eu não liguei com o fato do Paulo. Mas depois, no velório da Neuza, a minha irmã começou a pesquisar lá, e ela mostrou: "Ó, pode ser arsênio". E nesse meio tempo, acho que o delegado me ligou porque ele queria saber onde estava o resto do bolo, se tinha botado fora. Eu disse: "Não, o bolo está lá intacto, não botei fora porque eu sabia que era coisa grave isso aí" — afirma.
O casal
Ele e Maida se conheceram em um CTG, há 32 anos. Costumavam viajar pelo Brasil em um motorhome. Faltava conhecer só dois Estados: Amapá e Roraima.
— A gente estava em um momento muito bacana. Filhos não tinha, mas a questão familiar, financeira, conjugal, saúde, lazer, social, intelectual, estava tudo em harmonia, sabe? É um buraco que fica. Minha cara metade foi —finaliza.
Morte de sogro
A Polícia Civil investiga o crime. Deise Moura dos Anjos está presa. A investigação apura se ela também estaria envolvida na morte do sogro, Paulo Luiz dos Anjos.
O sogro de Deise morreu em setembro. Inicialmente, acreditou-se que ele havia sido vítima de intoxicação alimentar. Porém, perícia realizada após a exumação do corpo demonstrou a presença de arsênio, mesma substância encontrada nas vítimas que comeram bolo.
"Essa menina é do mal"
Segundo Jefferson, Maida nãogostava de Deise Moura dos Anjos, nora de sua irmã Zeli.
— "Essa menina é do mal", ela dizia — relata o viúvo.
Deise não frequentava a casa de Jefferson e Maida. Quando o marido de Zeli, Paulo dos Anjos, morreu, a família chegou a desconfiar de Deise.
— A gente não levou adiante (a desconfiança). Talvez o filho, porque levou a banana, poderia ter ficado chateado, então a gente também não quis magoar. Mas nós tínhamos combinações de não comer nada que viesse de lá (de Deise). Porque a gente tava muito desconfiado já — afirmou.
Amiga relata ameaças a Zeli
Uma amiga da família, que preferiu não se identificar, procurou a Polícia Civil no dia do velório de Tatiana. Registrou um boletim de ocorrência, contando o que ouviu de Tatiana, dois dias antes de ela comer o bolo envenenado e morrer.
— Relatei essa desconfiança, a questão das ameaças que ela (Deise) fez pra Zeli, que a Tati me falou. Ela explicou tudo isso, contou a história da mensagem que a Deise mandou pra Zeli, dizendo que ainda vai ver toda a família dentro de um caixão — afirma a amiga.
A amiga relembra que a relação de Deise com a sogra sempre foi conturbada, e que as desconfianças se voltaram contra ela depois da morte de Paulo.
Ela acredita que Deise sentia inveja da relação entre Zeli, as irmãs e a sobrinha Tatiana, que cresceu junto ao primo, filho de Zeli.
— Acho que era inveja dessa união, as três eram muito unidas, era muito bonita a relação das três irmãs — diz.
Contraponto
A defesa da acusada Deise, representada pelo escritório Cassyus Pontes Advocacia, através da presente nota, vem se manifestar sobre os fatos envolvidos no inquérito em andamento na Comarca de Torres sobre o fato do bolo.
De início, insta salientar que a condição da presunção de inocência é garantida constitucional, que não necessita de demonstração, em um inquérito que não possui relatório final da investigação.
Ademais, os fatos aventados na mídia, até o presente momento, não possuem enfrentamento a ampla defesa e o contraditório diante do caráter inquisitorial do procedimento administrativo.
Neste sentido, toda prova técnica necessita de análise específica, pericial e com contraprova, a qual irá se desenvolver no trâmite judicial, com o devido processo legal.
Assim, sobre as provas, se teve acesso ao relatório parcial de aparelho telefônico indicado como da acusada Deise, que não apresenta integralidade do conteúdo para o apontamento definitivo do caso. Ainda, qualquer arquivo armazenado, conversas, ou imagens devem ser avaliados no contexto correto e devido no qual era inserido.
Já existem requerimentos de enfretamento sobre as provas inquisitoriais e decisões dos juízos responsáveis, os quais já foram protocolados e aguardam julgamentos pelo juízo de primeira instância.
Porto Alegre, 12 de janeiro de 2025.
Cassyus Pontes advocacia