Os indicadores criminais, divulgados nesta quinta-feira (12) no Palácio Piratini, em Porto Alegre, apontam que o Rio Grande do Sul vem mantendo o número de assassinatos em baixa. Considerado o ano mais seguro da história, 2023 já havia registrado o menor total de mortos em crimes violentos desde 2010, quando os dados foram revisados. No comparativo com o ano passado, 2024 manteve a redução, superando a marca histórica.
De janeiro a novembro deste ano, foram 1.550 mortos em crimes violentos letais intencionais, os chamados CVLIs, no Estado. No mesmo período do ano passado, tinham sido 1.838 vítimas, ou seja, 288 a mais.
Até o momento, ao longo de 2024 houve queda nos homicídios, nos latrocínios (roubos com morte) e nos feminicídios — quando se recorta somente o mês de novembro esse crime foi o único que teve elevação, com 11 casos, sendo que no mesmo período do ano passado tinham sido seis. Os indicadores são da Secretaria da Segurança Pública do Estado.
Nesse cenário, a expectativa das forças de segurança é de que, se essa tendência se mantiver ao longo das três próximas semanas, o Rio Grande do Sul encerre este ano com nova marca histórica, alcançando números menores do que os de 2023. Em todo o ano passado, foram 2.015 mortos em crimes violentos — 465 a mais do que o registrado nos 11 primeiros meses deste ano. Até agora, o número máximo de CVLIs num mês foi 229, em janeiro deste ano.
Entre os fatores elencados como essenciais para a queda nos assassinatos no Estado, está foco no combate ao crime organizado, considerado o principal responsável pelos crimes violentos. Na Capital, por exemplo, as facções criminosas estão por trás de cerca de 80% dos homicídios, segundo estatística da Polícia Civil.
— As reduções observadas aqui são muito expressivas e indicam que deveremos efetivamente ter um ano mais seguro do que 2023, que já foi o ano mais seguro, se observado desde o início dessa série histórica, que tem dados padronizados desde 2010. Possivelmente seja mais seguro até do que anos anteriores, mas temos possibilidade de dizer a partir de 2010 — afirmou o governador Eduardo Leite, em coletiva à imprensa.
Na mesma linha do Estado, Porto Alegre alcançou neste ano indicadores históricos, permanecendo seis meses abaixo do que a Organização Mundial da Saúde considera taxa epidêmica de homicídios — quando há mais de 10 mortes a cada cem mil habitantes.
Alguns fatores que explicam a queda
Dissuasão focada
Essa estratégia empregada na Capital pelo Departamento de Homicídios, há quase dois anos, foi estendida pelo governo do Estado para outros municípios. O foco do plano é endurecer as medidas contra o crime organizado envolvido em execuções. Em Porto Alegre, a consolidação desse método é apontada como fator essencial na manutenção da redução dos homicídios (veja os dados em gráficos mais abaixo).
Em resumo, a medida prevê uma sequência de ações, adotadas em escala. Dentro de um protocolo, estão previstas as práticas integradas, como a saturação de áreas por meio da presença do policiamento, sempre que houver um assassinato ligado às disputas entre facções criminosas, investigações voltadas ao grupo criminoso e especialmente a responsabilização de líderes, além das revistas em prisões, operações especiais e contra lavagem de dinheiro.
A medida mais severa prevista é o isolamento dos líderes que ordenarem as execuções, tanto em penitenciárias dentro do Estado, como em unidades federais. As ações são adotadas de forma conjunta entre as polícias do Estado, além de outros órgãos de segurança. O protocolo tem como base a teoria da dissuasão focada.
A técnica foi criada por David Kennedy, professor de Criminologia da Universidade de Nova York. Há 25 anos, o criminologista desenvolveu com colegas a Operação Cessar Fogo, em Boston, que levou à queda dos homicídios por lá.
Mapeamento e integração
Nos últimos anos, o governo do Estado vem apostando na análise criminal, com monitoramento de dados para o mapear os indicadores de criminalidade. Isso permite compreender, por exemplo, quais são as áreas onde acontece o maior número de crimes. Ao mesmo tempo, possibilita traçar, com mais agilidade, estratégias, como concentrar o policiamento naquela região.
O programa RS Seguro, lançado em fevereiro de 2019, elencou, com base nos indicadores de crimes violentos, 23 municípios que necessitavam receber ações de forma mais urgente. Boa parte dessas cidades estava concentrada na Grande Porto Alegre. Como resultado das medidas implementadas, a queda dos indicadores na Região Metropolitana passou a puxar a redução em todo o Estado.
Em paralelo, adotou-se maior integração e comunicação entre as polícias, inclusive as áreas de inteligência.
Investimentos
A manutenção de investimentos em servidores, equipamentos e no sistema prisional é elencada também como um fator a ser considerado. Nesta quinta-feira, na mesma coletiva em que divulgou os indicadores, o governador Eduardo Leite anunciou o investimento de R$ 1,4 bilhão na área da segurança pública e no sistema penal.
Para a segurança pública, estão previstos R$ 1,12 bilhão, divididos entre Brigada Militar, Polícia Civil, Instituto-Geral de Perícias (IGP) e Corpo de Bombeiros. Há ainda R$ 270 milhões que devem ser investidos na área penal, sendo R$ 150 milhões para a construção de unidades prisionais.
Os órgãos de segurança do Estado ainda enfrentam a defasagem de servidores — há cobrança de reforço no efetivo principalmente por parte dos policiais penais. Mas esse déficit foi reduzido nos últimos anos. Segundo o governo do Estado, com os chamamentos previstos para ocorrerem até abril de 2026, o RS alcançará o maior efetivo das forças de segurança na última década, atingindo a ocupação de 72% das vagas do quadro da segurança pública.
Descapitalização do crime
Retirar armas e drogas, além de sequestrar bens, como imóveis, veículos e valores adquiridos pelo crime organizado, especialmente aquele envolvido no tráfico de drogas, é apontada como outra estratégia que vem auxiliando a manter os indicadores em baixa. A descapitalização das organizações criminosas é elencada como uma das medidas que visa reduzir o poderio desses grupos, e frear as possibilidades de enfrentamentos entre os membros.
Somente a Brigada Militar apreendeu, de janeiro a outubro deste ano, 4,5 mil armas no Estado. Nesta semana, somente uma ação da Polícia Civil resultou na apreensão de cerca de R$ 122 milhões em bens e valores de uma organização criminosa do Vale do Sinos, que possui ramificações em praticamente todo o Estado. Outra facção, envolvida no assassinato de uma liderança rival dentro da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan), também se tornou alvo de uma investigação de lavagem de dinheiro nesta semana.
A enchente
Os meses de maio, junho e julho apresentaram os menores números de mortes por crimes violentos no Estado. Maio, quando o Estado enfrentou o ápice do período de calamidade com as enchentes, teve os indicadores mais baixos da história do RS.
O próprio secretário de Segurança, Sandro Caron, reconheceu que isso foi resultado de dois fatores. Um deles é a ostensividade do policiamento, com intuito justamente de coibir crime, motivo pelo qual foram suspensas férias de policiais e houve chamamento daqueles que estavam na reserva para atuarem em abrigos.
A Força Nacional também reforçou o policiamento, assim como bombeiros e policiais enviados de outros Estados. O segundo fator apontado é que, assim como impactou os demais, a enchente também afetou os grupos criminosos que atuam nas áreas inundadas.