Foi por meio de um exame de DNA que os familiares de David Barbosa Fanfa obtiveram respostas sobre o paradeiro do jovem. David havia desaparecido em 31 de agosto de 2023, aos 20 anos, após sair de casa naquela noite para encontrar amigos em uma barbearia na Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre. No último mês, após um ano de buscas, uma análise feita pelo banco de perfis genéticos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) confirmou que uma ossada encontrada na mesma região, em dezembro passado, pertencia a Fanfa.
O jovem é um dos sete desaparecidos identificados este ano pelo banco de perfis genéticos do IGP-RS. O reconhecimento só foi possível porque familiares procuraram a polícia, registraram o desaparecimento e cederam material genético para o banco utilizar em eventuais análises.
— A gente ainda tinha esperança de encontrar com vida. Com o exame, acabou a esperança, mas também a dor de não saber se ele está com fome, machucado ou sendo maltratado. Agora que sabemos que era ele, fizemos um enterro com caixão fechado para nos despedir — comenta Lisiane Barbosa, tia do jovem.
Mesmo com a identificação dos restos mortais, a investigação sobre as circunstâncias da morte segue em andamento. O caso, inicialmente tratado pela Delegacia de Desaparecidos de Porto Alegre, foi transferido para a Delegacia de Homicídios, que trabalha com a hipótese de execução. A vítima tinha histórico de uso de drogas e já havia sido apreendida pela polícia por tráfico.
O banco de DNA
O banco de DNA é uma das ferramentas usadas pela perícia gaúcha para ajudar na resolução de crimes e na identificação de desaparecidos. O repositório armazena perfis genéticos que foram coletados em cenas de crime, de indivíduos condenados por crime doloso ou de suspeitos, mediante autorização judicial. Familiares de desaparecidos também podem ceder DNA ao banco para facilitar nas buscas. O IGP mantém mutirões periódicos de coleta de material genético com esse propósito.
Dentro do laboratório do IGP, todo o DNA coletado passa por diferentes etapas de preparação e análise. Na última ponta do processo, um laudo sobre o caso é emitido às autoridades policiais e judiciais, com o intuito de auxiliar no desfecho das investigações. As informações genéticas analisadas também são inseridas no banco.
Semanalmente, todas as amostras armazenadas são confrontadas entre si na esperança de uma combinação positiva - o chamado "match". Essa combinação pode apontar uma concordância entre DNA de desaparecido e familiar ou até mesmo de vestígio de crime e suspeito. Foi desta forma que, desde o começo do ano, o banco identificou 24 autores de crimes.
— A verificação do DNA consiste numa importante ferramenta para auxiliar nas investigações da Polícia Civil, para localizar pessoas, identificar e esclarecer crimes. Principalmente em situações mais complexas o exame de DNA vai acelerar e dar eficiência aos trabalhos investigativos — avalia o delegado Mario Souza, diretor do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa.
Retrato biológico
O DNA está presente em todo o corpo humano, desde o sangue até a pele. Em maior ou menor quantidade, rastros de identidade são deixados por onde cada pessoa passa. Por isso, perícias de DNA podem ser fundamentais para a resolução de casos criminais ou de desaparecimento.
— Existem muitos crimes para os quais a única prova é um vestígio biológico, e não há suspeitos. São casos que ficariam sem solução se não tivesse essa ferramenta (o banco genético). Da mesma forma, restos mortais em estado avançado de degradação, ossadas ou indivíduos sem registros de digitais também nunca seriam identificados — afirma Cecília Helena Fricke, chefe da Divisão de Genética Forense do IGP e administradora do Banco de Perfis Genéticos do RS.
Somente este ano, mais de 3 mil novos perfis genéticos foram adicionados ao banco. Desses, 2.761 foram coletados de condenados por crimes graves, 190 de cenas de crime e 77 de familiares de desaparecidos. Além disso, mais de 40 perfis foram gerados a partir de restos mortais. Apesar do trabalho minucioso, 645 corpos permanecem não identificados no banco gaúcho de DNA, sendo 557 homens e 88 mulheres.
Segundo a perita Cecília, além das campanhas de coletas de material genético com familiares, o IGP também trabalha em conjunto com delegacias para orientar que os parentes, ao registrarem um boletim de desaparecimento, já se informem sobre a doação de DNA para o banco.
— Essas ações possibilitam o incremento dos perfis de familiares no banco e a diminuição dos corpos não identificados — afirma.
Recentemente, o IGP recebeu, do governo do Estado, novos equipamentos para acelerar o processo de análise e submissão de DNA ao banco. Entre os materiais adquiridos, está o RapidHit, mecanismo que realiza a análise de DNA em até 90 minutos. Em alguns casos, o exame tradicional pode levar mais de uma semana. Segundo Maiquel Luís Santos, diretor-geral adjunto do IGP, novos aparelhos do modelo serão obtidos ao longo do ano para dar maior celeridade aos casos investigados.
O repositório estadual foi criado em 2011 e faz parte de uma rede nacional de bancos genéticos, permitindo buscas e combinações entre perfis de diferentes Estados do Brasil.
Em caso de desaparecidos
- Quem tem um familiar desaparecido deve se dirigir a uma delegacia de polícia e registrar o caso, informando o máximo de detalhes sobre a pessoa e as circunstâncias do fato.
- No local, manifeste o interesse em ceder material e solicite o ofício de encaminhamento de coleta.
- Na sequência, compareça ao Posto Médico-Legal mais próximo. Confira os endereços dos postos neste link.
- Leve um objeto pessoal de uso exclusivo do desaparecido para permitir a coleta de DNA.
- Em Porto Alegre, a Delegacia de Polícia de Investigação de Pessoas Desaparecidas fica na Cidade da Polícia (Av. Bento Gonçalves, 8.855, bairro Partenon). É possível contatar a delegacia pelos telefones (51) 3288-2651 e 0800 642 0121 para orientações.
- O registro de desaparecidos também pode ser feito na Delegacia Online, em qualquer horário.