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Prestes a se formar, a estudante Sarah Silva Domingues, 28 anos, se propôs a buscar soluções para problemas complexos que atingem a população de baixa renda que vive na região da Ilha das Flores, em Porto Alegre.
Estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela propôs, em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), a construção de um plano urbanístico para a ilha, que tivesse alternativas de gestão e ações "para um território de ocupações vulneráveis em "Área de Proteção Permanente, de Proteção Ambiental e de Unidade de Conservação, buscando gerir os riscos iminentes a esta população", promover a devida regularização fundiária e conservar este ambiente natural.
O projeto, que mostrava muito da forma como a estudante pensava, foi interrompido com a morte prematura de Sarah. Aos 28 anos, ela foi assassinada por engano em um ataque ocorrido no último dia 23, uma terça-feira. Foi baleada justamente na Ilha das Flores, quando fazia fotos para ilustrar seu TCC, na Rua do Pescador, e morreu no local.
Segundo professores de Sarah, a aluna já conhecia a região, tendo ido à ilha em outros momentos. No entanto, desde que começou a desenvolver o TCC, em setembro de 2023, ainda não tinha conseguido visitar o local devido às recorrentes situações de inundação.
Tinha "consciência política e ambiental", relatam docentes
A ideia do trabalho surgiu "da motivação da estudante", e foi se desenhando de forma coletiva com os professores orientadores Heleniza Ávila Campos e Luana Pavan Detoni, ambas do departamento de urbanismo da faculdade; e Fernando Dornelles, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, com quem Sarah havia cursado uma disciplina eletiva específica no tema de desastres de origem hídrica (como alagamentos, enxurradas e inundações) e saneamento ambiental.
"Ela buscava denunciar a ausência do Estado no suporte à habitação precária, especialmente sem uma política adequada de saneamento. Particularmente, preocupava a Sarah os impactos das inundações na Região Metropolitana de Porto Alegre, que afeta de forma direta todo o arquipélago do Delta do Jacuí, em tempos de mudanças climáticas. Sua consciência política e ambientalmente responsável fez observar não só as condições precárias da habitação de baixa renda, mas a necessidade de integrar estas condições ao potencial da área à proposta de agricultura urbana e serviços de apoio a essa população. Seu desamparo em relação a políticas públicas se dá principalmente por estarem em uma área de preservação, não se vislumbrando alternativas a curto ou médio prazo para resolver esta situação", explicaram os professores, que conversaram com a reportagem por e-mail em razão do "momento devastador", da perda da aluna.
Jovem ia se formar nos próximos meses
Sarah tinha uma orientação com os professores marcada para o último dia 24 (ela morreu no dia 23), e uma reunião com o professor agendada para o dia 26.
A entrega do TCC estava prevista para o dia 8 de fevereiro, e a defesa do trabalho ocorreria entre os dias 13 a 24 de fevereiro. A formatura ocorreria algumas semanas depois.
Ilha das Flores é espaço "em branco", dizia aluna
Ao longo do trabalho, o estudo de Sarah encontrou obstáculos, especialmente pela falta de dados sobre a Ilha das Flores.
"No processo de pesquisa, Sarah encontrou muitos desafios, sobretudo pela falta de dados e informações sobre a Ilha das Flores. Ela costumava apontar que esse espaço sempre aparecia "em branco", estando à margem dos mapeamentos de Porto Alegre. Mesmo assim ela elaborou uma caracterização muito consistente do território com base em imagens de satélite, reportagens e em pesquisa documental e bibliográfica", afirmam os docentes.
"Na etapa propositiva do TCC, Sarah apresentava uma fundamentação teórica e técnico-legal alinhada com o diagnóstico dos problemas e potencialidades da área. Ela buscou referências para embasar as soluções para gestão de risco, para promover uma regularização fundiária com uma ocupação rarefeita de urbanização. Também estava atenta às questões de conservação ambiental, junto das quais buscava alternativas para geração de renda, além da minimização dos impactos das inundações", pontuam.
Estudante inspirou professores
Os orientadores ressaltam o grande entendimento de Sarah sobre os problemas enfrentados na ilha. Eles destacam um material entregue por ela para a banca intermediária, em dezembro de 2023:
"As comunidades localizadas em áreas de inundação sofrem com a intensificação recente dos fenômenos ambientais, consequentes das catástrofes econômicas de um sistema que prioriza o lucro em relação a vida e a preservação do meio ambiente, revestidas de catástrofes ambientais e climáticas, que desabrigam grande parte da população de baixa renda, periférica e ribeirinha em todo o Brasil."
Os professores destacam a preocupação da aluna com as pessoas mais vulneráveis que moram na região:
"Destacamos que a preocupação da Sarah com estes dois temas importantes e muito interligados, as comunidades de baixa renda e as condições de espaços de vulnerabilidade ambiental, principalmente através de inundações, norteou a busca de orientações que lhe dessem subsídios e abertura para desenvolver sua pesquisa."
Em um resumo, Sarah buscava formas de ajudar a comunidade que vive em condição de vulnerabilidade no local, além de preservar o espaço. Sua jornada inspirou os docentes.
"Foi um processo de muito aprendizado. Aprendemos muito com a Sarah, ela nos desafiava a pensar numa arquitetura e urbanismo para todos", finalizam os professores.