Após quase dois anos da morte de um homem negro por espancamento em uma unidade do Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, a companhia e a empresa de segurança Vector passaram a adotar novas políticas e a investir em ações de combate ao racismo e de oportunidades sociais. As duas firmaram termos de ajustamento de conduta (TAC) com a Defensoria Pública do Estado e entidades sociais (confira detalhes abaixo).
Em 19 de novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas, o Beto, 40 anos, foi morto no hipermercado Carrefour, no bairro Passo d'Areia. Na última quinta-feira (17), a Justiça determinou que os seis réus pelo crime devem ir a júri. A decisão foi da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, titular do 2º Juizado da 2ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca da Capital. Em contato com GZH, a maioria dos advogados de defesa afirma que irá recorrer da sentença.
O que mudou em dois anos
Carrefour
No caso do Carrefour, o investimento anunciado foi de R$ 115 milhões em ações de combate ao preconceito racial. Parte desse montante já foi aplicada em iniciativas nos últimos doze meses. O restante do valor, conforme estabelecido no TAC, será investido ao longo de mais dois anos. Em agosto deste ano, foi publicado um edital para concessão de bolsas de estudo no valor de R$ 68 milhões para pessoas negras.
Após propostas de um comitê externo independente, foi elaborado um plano de ação de curto, médio e longo prazos estruturado em cinco pontos: “Tolerância zero ao racismo e à discriminação, transformação radical do modelo de segurança do Grupo Carrefour Brasil, divulgação da política de tolerância zero à discriminação, mecanismo de denúncia de preconceito e discriminação e punições e/ou sanções disciplinares para caso de descumprimento das políticas”.
A empresa inseriu ao portfólio das lojas físicas e marketplace, uma série de produtos desenvolvidos por afroempreendedores. Lojas em São Paulo e no Rio Grande do Sul, além do e-commerce, contam com a exposição dos produtos de 13 empreendedores negros. Com apoio da Central Única das Favelas (Cufa), foi feito o Programa de Estágio Afirmativo, selecionando jovens de diferentes favelas de São Paulo para posições corporativas. Também foi lançado um programa de aceleração de carreira voltado para profissionais negros e negras, com o plano agilizar a progressão de pessoas que já ingressaram no mercado de trabalho, mas ainda não assumiram posições de liderança.
Com a assinatura do TAC, o Carrefour afirma que fez uma renovação no formato da equipe interna de prevenção e fiscalização. A segurança passou a ser orientada a promover o acolhimento de clientes e as regras em caso de conflito também foram revistas. Para as atividades de vigilância, que por lei, não podem ser internalizadas, o Carrefour contratou uma consultoria externa e independente para auditar todos os contratos vigentes. Houve, ainda, um reforço dos Canais de Denúncia.
A empresa ainda salienta que, em 2021, 61% das contratações foram de colaboradores pretos e pardos. Do ano passado até agora, 22 mil pessoas negras entraram no quadro de funcionários. Conforme dados de outubro de 2022, 60% dos colaboradores e 50% da liderança se autodeclaram pretos ou pardos.
No Rio Grande do Sul, ainda está previsto um investimento de R$ 320 mil para reforma da Casa D, na Vila Planetário, que funciona no antigo edifício Copa, onde havia a Escola Municipal Paulo Freire. O espaço é usado para atividades culturais da comunidade.
Entre outras ações, estão o projeto Mulheres Artesãs Negras, que dará R$ 5 mil reais para as vencedoras investirem no seu negócio, e o projeto Empreendedorismo, que dará cursos de capacitação para negócios.
No meio urbano, a empresa cita a revitalização de 60 postes de luz que compõem o trajeto de três importantes marcos da cultura negra em Porto Alegre: a Praça do Tambor, a Pegada Africana e o Mural Aurora Negra, no Centro Histórico, para homenagear a cultura da população negra. São 10 artistas convidados, incluindo possibilidade de divulgação e cobertura da ação. O investimento é R$ 50 mil. Houve ainda a inauguração do mural Aurora Negra.
O Carrefour também cita ações que não estão incluídas no TAC, como doação de tíquete refeição para 240 mil pessoas, treinamento em diversidade de 40 mil pessoas, letramento racial para 150 mil colaboradores e grafite em 14 lojas e quatro centros de distribuição, entre outras.
Vector
A empresa assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a Defensoria Pública do Estado, Educafro - Educação e cidadania de afrodescendentes e carentes e Centro Santo Dias de Direitos Humanos, uma associação civil sem fins lucrativos. O investimento em projetos sociais foi de quase R$ 1,8 milhão de um total de R$ 3 milhões.
Em razão do acordo, a Defensoria Pública do Estado está selecionando famílias que moram no bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre, formadas por pessoas negras, para o recebimento de bolsas de meio turno em escolas de educação infantil e para distribuição de cestas básicas.
A Vector afirma que tem se colocado à disposição da Justiça para, “diante de um fato sem precedentes no histórico da empresa, atuar na reparação por danos sociais e morais de alcance coletivo”. O grupo salientou que “ampliou seu olhar sobre diversidade e combate a qualquer tipo de preconceito” e que tem trabalhado ativamente em seus processos de seleção, treinamento e suporte psicológico, e também com novos protocolos de segurança para reforçar o compromisso com a garantia do bem-estar público.
A Vector ainda criou uma ouvidoria independente, destinada ao acolhimento dos casos de racismo, violência e/ou discriminação, e diz que está promovendo e prevendo mais campanhas internas e externas de combate ao racismo estrutural e promoção de práticas antirracistas, entre outras ações.