Há um ano as forças de segurança pública do Rio Grande do Sul vinham desenhando os detalhes da operação Império da Lei. A transferência de 18 líderes de facções exigiu organização complexa para não expor a população durante o transporte de criminosos entre Charqueadas e Canoas, na Região Metropolitana, e evitar o vazamento de informações sobre a ofensiva, que envolveu 15 instituições e 1,3 mil agentes. Os detalhes dessa articulação foram revelados em coletiva de imprensa na manhã desta terça-feira (3) na Secretaria da Segurança Pública (SSP).
A motivação principal para a transferência foi ressaltada pelo vice-governador e secretário da Segurança, Ranolfo Vieira Junior. Embora o Rio Grande do Sul tenha terminado 2019 com os melhores indicadores criminais da década, um estudo do perfil dos homicídios revelou que mais de três quartos dos assassinatos que acontecem em solo gaúcho envolve disputas entre facções.
— O Estado do Rio Grande do Sul não vai admitir que organizações criminosas promovam de dentro do sistema penitenciário a ordem para homicídios. Este é o recado que queremos deixar muito claro — afirmou Ranolfo.
Os setores de inteligência da Polícia Civil, Brigada Militar (BM), Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e Ministério Público (MP) começaram, em março de 2019, a elaborar lista das lideranças dos grupos criminosos em ação no Rio de Grande do Sul. Chegaram a 33 nomes que deveriam ser retirados das unidades prisionais gaúchas.
A lista ficou concentrada no Gabinete de Inteligência da Polícia Civil, que recebeu indicações de outras instituições. Entre os critérios para integrar a relação, estavam criminosos com poder de ascensão dentro de suas facções, com definida liderança. Também foram elencados presos que, de dentro das penitenciárias, ordenaram homicídios na rua e que estavam envolvidos em mortes com requintes de crueldade — muitos deles com liderança no interior do Estado.
O Estado do Rio Grande do Sul não vai admitir que organizações criminosas promovam de dentro do sistema penitenciário a ordem para homicídios.
RANOLFO VIEIRA JÚNIOR
Vice-governador
Muitas das informações que embasaram a lista foram captadas por intercepção telefônica. O objetivo era reunir líderes de todas as facções, evitando assim que, a partir da transferência, uma dominasse a outra.
— Eram homens que continuavam comandando suas organizações mesmo de dentro dos presídios, em queda de braço com o Estado — afirma a chefe de Polícia Civil, Nadine Anflor.
Em setembro do ano passado, o MP e a Polícia Civil fizeram a representação, solicitando ao Judiciário a remoção dessas lideranças. No início de dezembro, a Justiça Estadual avalizou a remoção de 18 dessas 33 lideranças. Em uma segunda etapa, a Justiça Federal aceitou receber os presos gaúchos em estabelecimentos federais espalhados pelo país. Há cinco Estados que possuem prisões federais: Paraná, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Rio Grande do Norte, além do Distrito Federal. A SSP não divulga o destino dos 18 presos transferidos, mas a colunista Kelly Matos apurou que o destino dos gaúchos seria Mato Grosso do Sul e Rondônia.
Os 18 presos transferidos estavam em sete prisões e foram concentrados nos últimos dias na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), onde a Império da Lei foi deflagrada.
Na primeira semana de janeiro, a cúpula de líderes da segurança pública gaúcha se reuniu com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, em Brasília, solicitando apoio para a ação. Retornaram a Porto Alegre com o aval do governo federal. Pouco antes do Carnaval, a Justiça Federal autorizou o recebimento em penitenciária federal do 18º preso, única permissão que faltava.
A partir de então, a SSP passou a planejar efetivamente a ação do Dia D, como era chamada internamente a ação desta terça-feira. A partir de 20 de fevereiro, foi instituído um gabinete de gestão integrada de inteligência, monitorando todo o sistema penitenciário. O objetivo, segundo o vice-governador, era evitar vazamentos de informações sobre a operação.
— Ontem (segunda-feira), na nossa última reunião, às 17h, tivemos mais um balanço de que nada até aquele momento tinha sido vazado e isso se concretizou no dia de hoje com o sucesso absoluto da operação — resumiu Ranolfo.
Paralelo a este movimento, a Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul criou uma assessoria complementar extraordinária para dar suporte aos juízes responsáveis pelas decisões que resultaram na transferência de 18 detentos para penitenciárias federais.
— Isso possibilitou que eles desempenhassem bem a tarefa, agilizou e deu mais segurança ao trabalho dos magistrados, permitindo a centralização que garantiu a eficiência das transferências, a integridade dos presos e da população. Também possibilitou que as transferências fossem realizadas em uma única data, o que deu mais eficiência à operação — explica o juiz-Corregedor André Vorraber.
Durante a coletiva, o governador Eduardo Leite ressaltou que a integração não será encerrada nesta operação. O trabalho seguirá para que os serviços de inteligência possam observar a ascensão de eventuais novas lideranças:
— Aquele que enfrentar a lei, mesmo de dentro dos presídios, sofrerá as consequências. Não relaxaremos. Está dado o recado. Não haverá tolerância.
Está dado o recado. Não haverá tolerância.
EDUARDO LEITE
Governador
Em 2017, na primeira vez em que o Estado transferiu criminosos para penitenciárias federais, durante a Operação Pulso Firme, 27 líderes de facções foram retirados do RS. Destes, 15 seguem em unidades de segurança máxima. Isso porque, ano a ano, o MP solicita o pedido de renovação da transferência.
No caso da Império da Lei, os pedidos foram aceitos ainda no mês de dezembro, sob vigência da legislação anterior. Por isso, a autorização judicial é para um ano de permanência mas, no final deste período, o MP poderá pedir a renovação. Desde a aprovação do pacote anticrime, a lei permite que a renovação seja de até três anos e ocorra sucessivas vezes.
— Foi uma mudança de extrema importância para que não se necessite que anualmente você esteja sujeito a uma decisão que permita o regresso dessas lideranças. Podemos ampliar esse tempo e trabalhar com essa desarticulação por um prazo ainda maior. A persistirem os motivos, pode ficar (fora do Estado) a partir de sucessivas renovações até que seja cortada essa ligação do preso com a facção — reforça o procurador-geral do MP, Fabiano Dallazen.
A partir de agora, o MP deve reunir argumentos para ingressar com recursos para parte dos 15 criminosos que tiveram seus pedidos de transferências negados. Dallazen afirma que pretende insistir nas remoções destes líderes e esclarece quais elementos serão levados ao Tribunal de Justiça (TJ) para reverter a decisão de primeira instância. Seu objetivo é que pontualmente novas transferências sejam realizadas:
Muitas vezes, o que acontece é que o próprio líder tem uma folha corrida até menor do que aqueles que executam o crime. Parece, olhando isoladamente, que não é tão perigoso.
FABIANO DALLAZEN
Procurador-geral do MP
— Só não ingressamos com recurso ainda para manter o sigilo da operação. Temos elementos que demonstram que eles são lideranças. Muitas vezes, o que acontece é que o próprio líder tem uma folha corrida até menor do que aqueles que executam o crime. Parece, olhando isoladamente, que não é tão perigoso. Por isso que, por meio de informações de inteligência, você diagnostica que, aquela pessoa, embora não tenha uma ficha tão extensa, é uma das lideranças daquela facção.