A cada cinco horas e 12 minutos a Região Metropolitana teve um morador vítima de homicídio ou latrocínio em 2016. Quase metade dessa frequência é resultado da explosão da violência vivida em Porto Alegre no último ano. Só na Capital, pelo menos 778 pessoas perderam a vida em razão desses dois tipos de crime, volume 27,7% superior ao observado em 2015. Se comparado a 2011, quando teve início o levantamento realizado pela Editoria de Segurança do Grupo RBS e o número era de 413 mortes, o aumento de 88,4% comprova que 2016 foi o mais violento do período. Foram ao menos 1.667 pessoas executadas nos últimos 12 meses entre os 19 municípios analisados na região. Uma alta de 8,3% em relação ao período anterior.
Enquanto autoridades tentam encontrar estratégia capaz de frear a criminalidade, a cidade, como admite o diretor do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Paulo Grillo, foi transformada em campo de guerra pelas facções criminosas.
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– São grupos que ganharam muito poderio bélico nos últimos anos e fortaleceram suas redes de comando a partir do descontrole das cadeias. Nas ruas, eles vivem em desacerto com seus rivais, mas não mais limitados aos territórios onde o tráfico de drogas é mais evidente. E isso nos preocupa muito – afirma o delegado.
Um terço das vítimas na região não tinha antecedentes criminais
O departamento conhece bem a dinâmica desses grupos. Levantamento do Grupo RBS mostrou, em 2016, que ao menos 32 bairros da Capital vivem sob influência das facções. Em janeiro passado, explodiu a tensão entre os grupos, com a formação de uma frente de quadrilhas contra um bando que tem berço no bairro Bom Jesus. A disputa se espalhou por Porto Alegre e transbordou os limites do município. Crimes investigados em Alvorada, Viamão, Canoas e Eldorado do Sul, por exemplo, refletem exatamente essa rivalidade criminosa.
Mas mesmo tendo sua forma de agir conhecida, os bandos não encontram obstáculos para ataques e revides. Foi assim entre a noite de 25 de dezembro, um domingo, e a madrugada seguinte. Primeiro, um homem foi executado a tiros na Vila Jardim, zona norte de Porto Alegre. Na fuga, os executores depararam por acaso com uma viatura da Brigada Militar (BM) que passava pela Avenida Protásio Alves. Houve confronto e um dos suspeitos acabou preso com uma metralhadora.
Na Polícia Civil, já constavam os históricos dele e da vítima. A probabilidade de uma resposta do grupo rival era esperada. Ainda assim, as viaturas da BM deixaram a região. E o revide aconteceu sem impedimentos. Três homens foram mortos em sequência por criminosos em um carro que invadiu o bairro Bom Jesus. Ninguém foi preso.
– Se colocássemos uma viatura entre os dois bairros, não inibiria estes crimes que se seguiram. Quando eles não atacam ali, atacam em outros lugares – avalia o comandante do policiamento da Capital, coronel Mario Ikeda.
Enquanto pelo menos 58% dos assassinatos em toda a Região Metropolitana em 2016 tinham relação com o tráfico de drogas, em Porto Alegre, este índice sobe para 66%. Quase um terço das vítimas não tinham antecedentes criminais.
Plano nacional de segurança quer 7,5% menos assassinatos em 2017
Em outra ocasião, quando houve troca de informações entre o Departamento de Homicídios e o serviço de inteligência da BM, uma possível nova tragédia foi evitada. Brigadianos entraram em confronto com um grupo fortemente armado que invadiu o Beco do Adelar, no bairro Aberta dos Morros, zona sul da Capital, em outubro – 10 foram presos e um morto. Dias antes, o mesmo bando havia matado um empresário, em um ataque ao alvo errado, no estacionamento de um supermercado no bairro Cavalhada.
– A troca de informações eficiente carece de um relacionamento pessoal entre os agentes que atuam diretamente no combate aos homicídios e o tráfico. É um desafio para nós em 2017 – diz o coronel Ikeda.
Mais do que mudanças na forma de atuação, os policiais vivem em compasso de espera por possíveis investimentos no combate a homicídios pelo Plano Nacional de Segurança, anunciado semana passada pelo governo federal. A iniciativa tem como meta reduzir este ano em pelo menos 7,5% os homicídios em Porto Alegre.
Em setembro, homens do policiamento ostensivo da Força Nacional da Segurança chegaram à Capital, mas não foi o bastante para frear os homicídios. Em dezembro, equipe de 25 agentes e um delegado chegou para reforçar a elucidação das mortes.
– Tudo o que vier para dar mais fôlego para a investigação, é fundamental. Estamos conseguindo manter média superior a 70% de resolução dos crimes, mas o volume de homicídios assusta e exige mesmo mais investimento – diz o delegado Paulo Grillo.
A perspectiva é de que esses agentes fiquem na cidade por três meses. Eles reforçam quatro das seis delegacias especializadas. No final de fevereiro, será formada a nova turma de agentes da Polícia Civil. A expectativa é de que o Departamento de Homicídios receba 30 novos agentes.
A cada 10 dias, um latrocínio é registrado
Quando viu o Grêmio conquistar um título nacional depois de 15 anos, no final do ano passado, Fabrício Gonçalves, 23 anos, não conseguiu comemorar. Na memória estava o sogro, Édson Felipe Vaz de Guimarães, 45 anos. Gremista fanático, Édson foi morto a tiros justamente quando assistia ao jogo do time em um bar da Vila Jardim, na zona norte da Capital, em fevereiro de 2016.
O bar, que ainda funciona na Avenida Protásio Alves, agora atrás de grades, foi palco de uma cena que se repetiu como marca da violência em Porto Alegre em 2016. Primeiro, um grupo de três assaltantes entrou no local e anunciou o assalto. O policial militar (PM) José Antônio de Oliveira Garcia, 45 anos, de folga, também assistia à partida e reagiu atirando. Um dos bandidos deu um disparo, atingindo Édson, que morreu no local. Ele foi uma das 34 vítimas de latrocínio (roubo com morte) na cidade em 2016. Uma alta de 47,8% nesse tipo de crime em relação a 2015 – o maior volume desde o começo da contagem, em 2011.
No gatilho e no alvo, o pior ano para policiais
Em média, uma pessoa foi morta a cada 10 dias em assaltos na Capital. Mas no ataque que tirou a vida de Édson, ele não foi a única vítima. Outro dos tiros disparados pelo ladrões acertaram Garcia. O PM também morreu no local e engrossou a estatística que fez de 2016 o ano mais mortífero para policiais na Região Metropolitana. Foram pelo menos 12 mortos (cinco em assaltos), mais de 70% acima dos sete vitimados em 2015.
No hospital, um dos criminosos, atingido pelo PM, também não resistiu aos ferimentos. Entrou para a lista das 93 pessoas mortas pela polícia na região em 2016 – 50% a mais do que as 62 de 2015. Desde 2011, quando a contagem teve início, as corporações da segurança pública jamais haviam matado tanto. Somente um terço dos casos foram reações a assaltos. Em 60 ocorrências as mortes aconteceram em ações da Brigada Militar.
Para o comando da corporação, os números não surpreendem. O entendimento é de que os criminosos estão mais violentos, e os policiais têm agido na mesma proporção.