Especialista em um dos temas mais debatidos na área da psicologia nos últimos tempos, o americano Irvin Schonfeld, professor na City University of New York, nos Estados Unidos, estará em Porto Alegre neste mês para falar sobre burnout, estado em que a pessoa enfrenta intenso esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho. O nova-iorquino tem sido protagonista em congressos pelo mundo ao destacar as similaridades entre burnout e depressão, enquanto outros pesquisadores – como a renomada psicóloga Christina Maslach, também dos EUA – discordam dessa relação.
O professor é um dos principais convidados do 18º Congresso de Stress da International Stress Management Association (Isma-BR), com o tema Viver Melhor: Trabalho, Stress e Saúde, que se realiza em Porto Alegre, no Hotel Plaza São Rafael, entre os dias 26 e 28 de junho. As inscrições podem ser feitas online até segunda-feira (18). Mais informações sobre o evento no site ismabrasil.com.br, pelo e-mail stress@ismabrasil.com.br e pelo telefone (51) 3222-2441.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Schonfeld, de Nova York, via Skype.
Qual a definição de burnout? Quais os principais sintomas?
De acordo com Maslach (Christina Maslach, psicóloga americana) e seus colegas, o burnout consiste em três tipos de sintomas. O cerne é a exaustão emocional: sentir-se esgotado pelo trabalho, ter dificuldade para levantar de manhã e pensar em ir para o trabalho, voltar para casa muito fatigado. A segunda dimensão é a despersonalização, cujos sintomas são tratar as pessoas com quem você trabalha ou atende (estudantes, clientes, pacientes) como objetos e manter uma certa distância delas. A terceira dimensão do burnout é uma sensação de poucas conquistas pessoais, de ineficácia, quando você acha que não alcança muitas coisas no trabalho – os estudantes para quem você leciona não estão aprendendo, os clientes talvez não estejam comprando tantas camisas quanto você gostaria, ou você está encalhado na posição de vendedor há muito tempo sem promoção.
O senhor pesquisou diferenças e semelhanças entre burnout e depressão. O que descobriu?
Estudei burnout e depressão com meus colegas Renzo Bianchi, Eric Laurent e Jay Verkuilen nos Estados Unidos, na França, na Nova Zelândia e na Suíça. Observamos correlações muito grandes entre sintomas depressivos e exaustão emocional. As correlações entre exaustão emocional e sintomas depressivos tendem a ser maiores do que as correlações entre exaustão emocional e as outras duas dimensões do burnout (despersonalização e sensação de ineficácia). Exaustão emocional e sintomas depressivos estão muito próximos.
O senhor discorda de outros pesquisadores, como Cristina Maslach, por exemplo.
Sim. E de outros, como Shirom e Melamed (Arie Shirom e Samuel Melamed), que desenvolveram outra escala para o burnout. Eles são um pouco diferentes de Maslach, a escala deles tem três dimensões: exaustão física, cansaço cognitivo e exaustão emocional. Mas a terceira é problemática porque os itens se parecem mais com despersonalização. Se usarmos a escala de Maslach ou a de Shirom-Melamed, vemos essas duas grandes correlações entre burnout e depressão.
Então, alguém com burnout pode estar depressivo também.
Essa é a nossa visão. Temos que reconhecer que, em ciência, qualquer visão é falível. Para nós, o que se chama de burnout, particularmente a visão de Maslach de exaustão emocional ou a exaustão física de Shirom-Melamed, sobrepõe-se substancialmente com sintomas depressivos. Um dos nove sintomas do diagnóstico da depressão, segundo o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, na sigla em inglês, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria), é sentir muita fadiga. Outro é ter problemas de sono. Algumas vezes, o que fazemos é remover esses dois sintomas dos nossos resultados, e ainda assim conseguimos correlações muito altas entre sintomas depressivos e burnout. Com muita frequência, as pessoas vão ao médico e se queixam de muita fadiga. Frequentemente, a fadiga é o sintoma que indica que elas estão sofrendo de depressão. Elas não vão dizer “estou sofrendo de depressão”, mas irão ao médico dizer “estou me sentindo muito para baixo, não consigo sair da cama”. O médico vai se dar conta de que o paciente está com depressão.
Uma pessoa com burnout pode estar deprimida também, mas uma pessoa deprimida não necessariamente está com burnout?
Os dois principais instrumentos utilizados para medir o burnout — as escalas de Maslach e de Shirom-Melamed — sempre têm questões que conectam itens sobre fadiga ou o que quer que seja com o trabalho. Então as escalas de burnout contemplam o trabalho, mas as de depressão nunca mencionam o trabalho. E sabemos que a depressão pode surgir de dificuldades muito sérias em outros setores da vida: por exemplo, se a pessoa está num casamento instável e há muita tensão na relação, se alguém tem um filho muito rebelde, que dá muito trabalho. Então a depressão não está preponderantemente conectada ao trabalho, mas há muitas pesquisas que indicam que más condições de trabalho podem abrir caminho para sintomas depressivos e até para um transtorno de depressão.
O estudo do burnout é recente.
A primeira pesquisa foi publicada em 1974 por Freudenberger (Herbert Freudenberger, psicólogo alemão radicado nos EUA), em que ele observou voluntários que trabalhavam em um centro de tratamento para dependentes químicos. Ele os viu ficando muito desmoralizados porque os dependentes químicos recebiam ajuda e e tinham recaídas, recebiam ajuda e tinham recaídas... Era uma tarefa muito difícil. Ele foi muito corajoso porque descreveu o burnout inclusive nele mesmo. No artigo, ele disse que a pessoa com burnout parece e age como se estivesse deprimida. Este artigo e outros trabalhos posteriores de Cristina Maslach criaram essa onda de pesquisa sobre o burnout, tornando-o um conceito muito popular. Devemos agradecer a eles porque nos levaram a pensar sobre o quão tóxicos os ambientes de trabalho podem ser e o quanto podem nos afetar psicologicamente.
Como é um ambiente de trabalho saudável? E um ambiente tóxico?
Trabalho saudável é quando os trabalhadores têm certa autonomia e habilidade para tomar decisões sobre como proceder. A carga de trabalho psicológica também é importante. Pense no filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin. O personagem trabalha em uma fábrica onde o volume de tarefas é muito alto, ele faz tudo repetidamente, não tem controle sobre o que acontece com ele. Isso é tóxico para as pessoas. Se você adicionar a isso pouco suporte dos seus supervisores ou colegas, trata-se de um ambiente muito tóxico, que leva a estresse psicológico e níveis mais altos de sintomas depressivos. A carga psicológica não seria um fator tão importante se a pessoa tivesse autonomia para organizar as tarefas e pensar em maneiras de cumpri-las.
Reciprocidade também é importante. Pense em uma amizade. Você não quer uma relação em que está sempre dando, sempre convidando para jantar, sempre tomando a iniciativa. Você faz todo o esforço, e o outro não faz nada. De um amigo, você espera reciprocidade. Não precisa ser perfeito, 50%–50%, pode ser 60%–40%. Essa ideia da reciprocidade faz as coisas funcionarem, assegura as relações humanas. Pense no trabalho. Se as recompensas que você recebe não são proporcionais ao esforço que faz, isso é desestabilizador e vai afetá-lo psicologicamente. Alguns críticos diriam: por que então você não muda de emprego? A razão pela qual muitas pessoas não mudam de trabalho é porque há muitas barreiras. Para algumas, isso sairia muito caro. E as recompensas não são apenas monetárias – podem ser elogios, a valorização do que você faz. Às vezes, você não consegue as recompensas tangíveis, mas as intangíveis estão lá.
Outro fator importante é a violência no local de trabalho – pessoas que sofrem violência ou são ameaçadas. Isso tem um efeito psicológico muito ruim e doloroso nos empregados.
Quais sintomas deveriam levar alguém a procurar ajuda?
Talvez exista um pouco mais de estigma associado à depressão porque é uma doença mental, e as pessoas podem se sentir um tanto relutantes em procurar ajuda. Se alguém estiver sofrendo de depressão no trabalho, é preciso ir até o departamento de recursos humanos e ter uma conversa privada com um profissional de lá, pegar a indicação de um psiquiatra, conseguir a ajuda de que precisa. Essa conversa não pode vazar ou ser transmitida aos administradores. Veja o caso dos médicos: se eles estão deprimidos, podem se sentir relutantes em falar sobre isso por medo de que sua reputação sofra algum abalo e de que se imponham barreiras a seu trabalho. É muito importante garantir discrição quando alguém está sofrendo. Sabemos que há tratamentos eficazes contra a depressão, com psicoterapia e medicamentos. Mas mesmo que essas terapias existam e que as pessoas tenham acesso a elas, isso não nos livra da responsabilidade de fazer com que as condições de trabalho sejam menos depressoras, menos tóxicas.