Jorge Neumann (*)
O Brasil tem uma história de mais de 40 anos em transplantes. É o país com o maior programa público de transplantes no mundo. No Rio Grande do Sul, 2.657 pacientes, adultos e crianças, esperam um órgão, com a maior parte aguardando um transplante de rim.
Apesar de complexas, as listas de transplantes têm critérios bem objetivos. Detectada a necessidade, o paciente entra em uma lista. As regras de funcionamento desta lista são determinadas pelo Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde. A primeira delas é que o paciente pode escolher o Estado em que quer aguardar a oferta do órgão, ficando apenas naquela lista.
Todos os pacientes inscritos são registrados nas Centrais Estaduais de Transplante das respectivas Secretarias de Saúde. As particularidades ocorrem conforme o órgão ou tecido que o paciente está aguardando. O transplante mais simples é o de córnea, no qual a ordem é puramente cronológica. Como é um transplante simples, como regra sem rejeição, não há preocupação com compatibilidade, e o transplante é feito de forma ambulatorial.
No transplante de rim, a ordem de chamada é mais complexa, e se baseia em um sistema de pontuação, onde o tempo em lista e a compatibilidade imunológica são considerados. Primeiro é verificado o grupo sanguíneo (compatibilidade ABO). Depois faz-se uma comparação em duas etapas entre a "impressão digital celular" (conhecida como HLA, em português, Antígeno Leucocitário Humano) do órgão oferecido e a dos receptores em lista.
Na primeira, são selecionados os receptores com o HLA mais parecido com o doador (quanto mais parecido, melhor). Na segunda, é verificado se o receptor tem ou não anticorpos contra o HLA do doador. A presença destes anticorpos impede o transplante pelo risco de rejeição, e o órgão é oferecido ao receptor seguinte na lista.
Alguns pacientes apresentam diversos anticorpos, o que dificulta encontrar um doador compatível. Para cada rim ofertado, a lista leva em conta a soma dos pontos obtidos pelos critérios de tempo em lista, compatibilidade HLA e quantidade de anticorpos.
Coração e pulmão
Os órgãos torácicos, coração e pulmão, necessitam também de compatibilidade de grupo sanguíneo, mas, além disto, têm uma particularidade quanto ao tamanho do órgão doado. Como o tamanho da caixa torácica é limitado, não é possível transplantar um pulmão vindo de um doador grande em um receptor pequeno. No caso contrário, o problema não é o espaço, mas o órgão pequeno será insuficiente para manter o receptor maior em boas condições. Aceita-se assim até aproximadamente 30% de diferença de massa corporal entre doador e receptor para esses órgãos. Com os critérios de ABO e tamanho sendo atendidos, a preferência é do receptor há mais tempo na lista.
A lista para fígado tem critério muito objetivo: uma avaliação laboratorial chamada Meld. É uma combinação de escores baseados em exames laboratoriais e que determinam a gravidade do paciente. O Meld mais alto, que significa paciente com maior gravidade, tem a preferência.
O transplante de medula óssea tem alto grau de exigência em relação à compatibilidade HLA. Quando não há doador familiar, buscam-se doadores em bancos de doadores voluntários compatíveis. O banco brasileiro é hoje o terceiro maior do mundo.
Por fim, os critérios descritos acima consideram apenas transplantes com órgão de doadores falecidos. Rim, pulmão e fígado, os dois últimos em receptores pediátricos, podem ser transplantados com doadores vivos aparentados em primeiro grau, e nesse caso as regras acima não se aplicam.
(*) Membro Titular da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina e diretor do Laboratório de Imunologia de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre Zero Hora e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) em março de 2022. Uma vez por mês, o caderno Vida publica conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos da entidade, que completou 30 anos em 2020, conta com cerca de 90 membros de diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia, otorrinolaringologia etc.) e atualmente é presidida pela endocrinologista Miriam da Costa Oliveira, professora e ex-reitora da UFCSPA.