Nos grandes centros urbanos, felicidade não significa apenas ter saúde, emprego e educação. Pesquisas evidenciam que as pessoas são mais felizes quando vivem em locais bonitos, estimulantes e próximos à natureza. Nessas condições, a beleza faz bem aos olhos e melhora o humor de quem tem essa possibilidade.
A ligação entre ambientes bonitos e felicidade foi objeto da equipe do Laboratório de Ciência de Dados da Warwick Business School, do Instituto Alan Turing, de Londres. O grupo observou quase 1 milhão de avaliações de fotografias de um jogo online, somado a três anos de dados sobre a felicidade de mais de 15 mil pessoas. As informações foram coletadas por meio do aplicativo Mappiness para iPhone.
O aplicativo solicitava às pessoas que relatassem sua felicidade ao longo do dia enquanto registrava suas localizações, além da companhia de quem estavam e o que faziam naquele momento. O estudo revelou que a sensação de felicidade não acontecia somente em áreas de beleza natural, mas também em metrópoles urbanas.
O que pensa quem mora perto de áreas verdes na Capital
Há 30 anos, o aposentado Paulo Renato Rodrigues, 73 anos, decidiu viver na Rua Gonçalo de Carvalho, situada no bairro Independência e considerada a mais bonita de Porto Alegre. O namoro com o verde da via começou quase por acaso.
— Quando comprei o apartamento aqui, minha filha estava hospitalizada no Hospital Moinhos de Vento, e eu morava em Santa Maria. Lembro que passava na frente do prédio e pensava "que rua bonita essa". Criei coragem e acabei comprando. Sou muito feliz morando aqui — relata.
A Gonçalo de Carvalho é Patrimônio Histórico, Cultural, Ecológico e Ambiental do município desde junho de 2006. As frondosas e centenárias árvores que compõem o túnel verde em sua extensão são a marca do local, que recebe visitas até de turistas.
O aposentado criou e preside a Associação dos Moradores da Gonçalo de Carvalho (Amogonçalo). Ele conta que uma série de melhorias foram realizadas, como a instalação de cabos ecológicos. Na prática, são cabos protegidos na alta tensão, o que impede o desligamento da energia elétrica quando houver contato com objetos estranhos, como galhos de árvores.
— Tenho uma identificação muito grande com a rua. Adoro ver essas árvores. Acho que a prefeitura cuida muito mal da rua e não dá a devida atenção. É um cartão-postal de Porto Alegre e teria de ser muito mais valorizada — afirma.
Poder circular diariamente perto das árvores é uma espécie de terapia para o morador:
— Isso aqui é um prazer enorme, principalmente caminhar. Se caminha na sombra e olhando o verde. Isso é uma coisa que não tem preço.
Situação semelhante vive a aposentada Laura Salim, 78, que mora em um edifício na Rua Comendador Caminha, em frente ao Parque Moinhos de Vento, no bairro de mesmo nome. Ela reside há 51 anos no local e viu o Parcão ser criado, crescer e passar por transformações urbanas.
— Escolhi morar aqui porque iria haver um parque. O que tinha era terra e nada mais. Quando vieram as primeiras mudas, os moradores desta rua desciam com balde para molhar as plantas — recorda.
Laura menciona que a administração do parque poderia ser melhor. A aposentada cita a inauguração recente de um chafariz, que teria funcionado apenas por uma semana e depois nunca mais.
Apesar disso, confessa ser apaixonada pelo parque e assegura que enquanto tiver saúde para subir os lances de escada — pois o prédio é antigo e não tem elevador —, descarta se mudar.
— Digo que é o meu quintal. Saio de manhã, caminho, atravesso e de tarde dou mais uma volta.
E compartilha o que mais gosta e testemunha no dia a dia:
— O mais bonito é o verde, ouvir os passarinhos, poder fazer ginástica e ver as crianças brincando. E tem muita gente que faz festa de aniversário de crianças no parque, o que acho uma beleza. Gostaria que houvessem mais parques assim.
Escritor, professor, pesquisador e cineasta, Carlos Gerbase, 65, tem uma vista privilegiada para um dos locais mais verdes da Capital — o Parque Farroupilha (Redenção). Morador do sétimo andar de um prédio da Avenida José Bonifácio, o ex-Replicantes enxerga exuberantes copas de árvores, além de pontos distantes, como o domo da Catedral Metropolitana, localizada junto à Praça da Matriz.
— A gente considera a Redenção o nosso jardim. Caminhamos muito aqui. Acompanhamos aquele vendaval (temporal ocorrido em 2016) e fomos no dia seguinte caminhar no parque. Foi um negócio muito doloroso ver todas aquelas árvores derrubadas — revela.
E pede mais atenção do poder público em relação ao processo de plantio de novos exemplares na Redenção.
— Aliás, pouco se fez para repovoar (as árvores derrubadas). Tinha que ter sido plantadas muito mais mudas, principalmente na Avenida João Pessoa, onde o vento derrubou mais. Andando em volta do lago tu consegue ver o movimento dos carros na João Pessoa, coisa que não era possível antes por existir uma cortina de árvores mais densa — detalha.
A gente trabalha muito e, quando podemos descansar e caminhar ao mesmo tempo, faz muito bem ao espírito.
CARLOS GERBASE
Escritor, professor, pesquisador e cineasta
Gerbase estima que more há 40 anos sempre em algum endereço em torno da Redenção. Ele elogia o compromisso dos moradores e vizinhos da região em relação à preservação do parque. E divide os benefícios de viver a poucos metros de um cinturão verde da cidade.
— Acho que o contato com a natureza de um modo geral faz muito bem. A gente trabalha muito e, quando podemos descansar e caminhar ao mesmo tempo, faz muito bem ao espírito.
Quem vive em locais bonitos e verdes é mais feliz
A arquiteta e paisagista Bela Reichert, 36, está habituada a atender clientes em busca de espaços mais verdes, acolhedores e tranquilos. A profissional percebeu que durante a pandemia, as pessoas passaram a se conectar mais com suas casas e sentiram mais falta de passeios ao ar livre.
Bela cita o exemplo do Japão, que criou parques há 40 anos, como forma de prevenção a doenças relacionadas ao trabalho, como o Burnout — também conhecido como síndrome do esgotamento profissional. E destaca que hospitais já criam jardins para auxiliar na recuperação dos pacientes.
— Há muito tempo, principalmente nos Estados Unidos e no Japão, vemos estudos a respeito do bem-estar gerado e da diminuição de stress quando se tem contato com a natureza — observa.
Em relação aos pedidos que costuma receber dos clientes, os mais comuns envolvem os jardins verticais e as vegetações em vasos e em ambientes internos.
— Esses dados acabam dando um peso para o meu trabalho de paisagismo. Para eu mostrar para o cliente que é mais vantagem ele ver um jardim vertical, uma cerca viva, algo assim do que um muro branco, para muito além da diminuição da temperatura. É nisso o que eu acredito — pondera, ressaltando que algumas plantas melhoram até a qualidade do ar.
A psicóloga clínica do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (Cefi) de Porto Alegre, Denise Cápua Corrêa, 56, traz elementos do dia a dia dos atendimentos de pacientes para o debate. A profissional cita o stress e a ansiedade como os principais inimigos da saúde física e mental.
— Uma das estratégias que a gente sempre recomenda para os pacientes é que estejam mais próximos à natureza, que saiam de casa, caminhem, façam exercícios, pode ser caminhada ou corrida — sugere.
Segundo a psicóloga, quem vive nos meios urbanos geralmente tem níveis de stress e cobranças no trabalho maiores. Mas quem adota essas medidas de conexão com a natureza acaba tendo benefícios.
— O cortisol, o nosso hormônio do stress, quando rompemos essa sensação de segurança ou nos desestabilizamos, ele começa a elevar. Então, uma das estratégias é essa: vamos sair, dar uma caminhada e respirar ar puro — ensina.
Para a psicóloga, estar perto ou em contato com locais bonitos e mais verdes proporciona, no que diz respeito ao lado emocional das pessoas, mais ideias e predisposição a sociabilizar:
— Um lugar gostoso, com bastante verde e com conexão com a natureza, também promove na gente um pouco de inspiração e criatividade.
A também psicóloga Deisy Razzolini, 57, concorda que as pessoas são mais felizes quando vivem em locais bonitos e próximos à natureza.
— Toda a vez que se vive em um local mais urbano, que se possa estar conectado com aspectos da natureza, seja uma pequena arborização, na sombra de uma árvore, perto de um lago, praças, possa praticar esporte ao ar livre, caminhadas, isso reconecta também a pessoa com as suas energias mais básicas — diz.
E essa sensação de bem-estar é mais importante do que se possa imaginar.
— Isso está muito ligado ao nosso pilar de saúde física, mental e emocional. Faz com que a gente possa se reorganizar internamente, principalmente no aspecto emocional. E isso ajuda muito a nossa saúde como um todo — conclui.