Com mais de 40 anos de experiência no assunto, a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo é uma das principais referências quando o assunto é sexualidade do brasileiro. Autora de livros como O Descobrimento Sexual do Brasil e Sexualidade Humana e Seus Transtornos, a doutora e livre docente pela Faculdade de Medicina da USP fala sobre as características da sexualidade feminina e por que as mulheres devem buscar uma vida sexual de qualidade.
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As dificuldades das brasileiras são diferentes das mulheres de outros países?
A proporção de problemas quanto ao desejo, à excitação e à capacidade para o orgasmo é muito semelhante a de outras pesquisas feitas nos Estados Unidos e na Europa. Mas aparecem algumas variáveis quando comparamos uma mulher intelectualmente diferenciada a uma com a instrução primária, por exemplo. A mulher mais intelectualizada tem melhor desempenho sexual. Ela cuida mais de aspectos físicos, e a saúde física é fundamental para a saúde sexual. Ela também está mais atenta a questões como depressão, ansiedade e estresse, a qualidade de vida psíquica dela também é melhor. Além disso, essa mulher que tem melhor condição intelectual é mais educada para que mitos, preconceitos e tabus estejam menos presentes na sua vida.
Os profissionais de saúde estão preparados para lidar com esse tema?
Percebe-se que há uma mobilização de forma crescente, ou seja, existe uma demanda. O profissional não lida com isso no seu cotidiano porque não teve a formação adequada. Antes, o assunto era menos estudado. Para trabalhar dentro do âmbito da universidade, é preciso ter dados, evidências e estudos. E as pesquisas com base em métodos qualificados nessa área são bastante recentes. Hoje, há revistas médicas de várias áreas da saúde com publicações de excelente nível que podem ajudar no conhecimento. A sexualidade feminina está ganhando muito interesse. A masculina está bem conhecida, inclusive, do ponto de vista médico. Há alternativas para todos os tipos de dificuldade sexual, como disfunção erétil, ejaculação e desejo sexual masculino.
E como isso pode mudar?
Por vezes é difícil para a mulher se colocar no consultório para falar sobre isso. Essa ideia deve ser difundida, as perguntas sobre sexualidade devem ser levadas para o consultório. Falta bem menos do que já faltou para essa mudança. Eu trabalho com a mídia há um tempo. O que a gente percebe é que as matérias que saem são de altíssima qualidade. Hoje, o assunto é bem mais palatável. Antes, era uma situação muito difícil de se trazer a público sem causar constrangimento.
Uma das principais queixas é a falta de desejo. Como você avalia isso?
Falta de desejo deu espaço à falta de orgasmo dos anos 80 e dos anos 90. As mulheres começaram a falar de falta de desejo porque os relacionamentos mudaram. Eles eram mais protelados, a mulher conseguia ter mais intimidade com seu parceiro, ir avançando na experiência e, com isso, desenvolvia essa capacidade de desejo. Relacionamentos instantâneos, com quem a mulher não tem intimidade, podem levar a sucessivas falhas e resultar em uma falta de disposição para o sexo. A pesquisadora canadense Rosemary Basson trouxe à tona uma questão: na experiência dela, as mulheres têm dois tipos de desejo: o espontâneo, que é muito parecido com o desejo masculino, e acontece quando ela está pronta para o sexo, na frente de alguém que a mobiliza, que a atrai. Mas, conforme os relacionamentos vão se tornando mais longos, a mulher vai perdendo essa capacidade de ter um desejo espontâneo e passa a precisar ser estimulada para sentir desejo. Rosemary chama esse tipo de desejo de responsivo, que responde a um estímulo, mas já não brota espontaneamente. Isso é muito natural para boa parte das mulheres e também muito frequente, mas elas não consideram isso natural. Não é considerado patológico não ter desejo espontâneo. Temos de explicar para essas mulheres que elas podem viver uma mudança no seu desejo, mas que isso faz parte de um relacionamento mais longo. Isso, que antes era tratado como problema, hoje é visto como uma característica feminina.
Uma vida sexual de qualidade é uma forma de empoderamento feminino. Como você enxerga isso?
Poder fazer sexo como você quer e com quem você quer é uma conquista. A partir do momento em que eu faço quando eu quero e não preciso de uma serie de pré-requisitos, como estar casada, essa situação é rompida. É lógico que a mulher ficou mais poderosa, ela pode decidir sobre sua vida sexual de uma forma mais livre. Agora, ter prazer no sexo dá a essa mulher uma outra condição. É uma coisa de ela estar com uma autoestima melhor, ela se sente mais mulher, mais capaz, mais competente. Melhorando a autoestima, isso repercute na vida dela como um todo.