Os gêmeos Mariano e Gaspar permaneceram 23 semanas e cinco dias no útero da mãe, quando o normal seriam cerca de 40 semanas. A fisioterapeuta Michaela Andreuzza Bastos, 32 anos, deu à luz os meninos em julho, após uma gestação abreviada por uma insuficiência no colo do útero. Gaspar, que nasceu com 650 gramas, teve alta na quarta-feira, após 148 dias de internação no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Mariano pesava 610 gramas quando nasceu. Foi para casa em outubro, 116 dias depois do parto.
Veja a história de vitória de Gaspar e Mariano:
As vitórias de Mariano e Gaspar representam uma evolução importante no cuidado com prematuros em todo o mundo: na década de 1990, apenas 60% dos bebês nascidos antes de completar 38 semanas de gestação conseguiam viver. Atualmente, esse número já alcança 95%, de acordo com a pesquisa Born Too Soon, realizada em 2012 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com base em dados de 184 países.
Bebê prematuro de 24 semanas recebe alta do hospital
Entre os prematuros extremos - nascidos entre 23 e 28 semanas de gestação, como Mariano e Gaspar -, a situação é ainda bastante delicada: 90% deles morrem nos primeiros 10 dias de vida.
- Os cuidados com os prematuros evoluíram nos últimos anos. Hoje, temos equipamentos mais modernos, procedimentos mais eficazes e menos invasivos. Ainda assim, a mortalidade entre os nascidos de 23 semanas é muito alta. Casos como o desses gêmeos são isolados - explica a chefe do serviço de neonatologia do Hospital Moinhos de Vento Desirée de Freitas Valle Volkmer.
Meu filho prematuro teve alta do hospital. E agora?
Um bebê prematuro extremo já tem todos os seus órgãos formados, mas ainda considerados imaturos - ou seja, não funcionam sozinhos. Por isso, é necessária uma UTI de alta complexidade para atender crianças nessa situação, com aparelhos que possam ajudar os órgãos a trabalhar.
- Quanto mais tempo de idade gestacional, mais chances de a criança não precisar estar ligada a equipamentos. Há casos de bebês que nasceram de 30 semanas e não precisaram ser entubados - conta Desirée.
O Brasil é o 10º país com maior número de nascimentos prematuros, segundo a pesquisa Born Too Soon, realizada em 2012 pela OMS. São mais de 279 mil crianças nascidas por ano nessas condições no país. Pelo menos 12 mil morrem por complicações logo após o parto. Essa é a segunda causa de morte entre crianças com menos de cinco anos no mundo, só perdendo para a pneumonia. Primeiro contato físico com os bebês pode demorar dias
Ainda que o paciente de uma UTI neonatal seja o bebê, a família do prematuro também precisa de muitos cuidados.
- Mais de 10% dos nascimentos no Brasil são de prematuros. A gravidez em idade avançada, depois dos 35 anos, é a principal responsável pela antecipação da hora do parto entre as mulheres com melhores condições econômicas. Entre as mais pobres, a gravidez na adolescência é o motivo que mais leva à prematuridade - informa o neonatologista Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.
O nascimento de um prematuro extremo requer um sistema complexo de cuidados. Devido à imaturidade de seus órgãos, essas crianças são muito mais suscetíveis a doenças cardíacas, neurológicas e pulmonares. Em quase 100% dos casos, é necessário utilizar ventilação mecânica para que os bebês consigam respirar.
- Os primeiros minutos depois que o bebê sai do útero da mãe são cruciais. A oxigenação fará muita diferença por toda a vida dessa criança. Hoje, usamos respiradores mais modernos, menos agressivos. Além disso, desde a década de 1990, podemos usar medicações como o surfactante (que atua nos alvéolos pulmonares e permite que a respiração ocorra). Antes disso, o sucesso da ventilação era muito menor - descreve Kfouri.
Desenvolvimento pode ser mais lento e deve ser acompanhado
Ainda que muitas complicações sejam comuns para a maioria dos prematuros, cada bebê se desenvolve de forma diferente. Os gêmeos Mariano e Gaspar, nascidos com apenas 23 semanas de gestação, podem servir de exemplo: embora tenham vindo ao mundo no mesmo dia, tiveram evoluções distintas.
Mariano, apesar do menor peso ao nascer, foi quem forçou o nascimento e desenvolveu-se mais rapidamente, conseguindo ter alta com 3,045 quilos. A "pressa" de Mariano fez com que o nascimento fosse classificado como traumático para Gaspar, que só recebeu alta um mês e um dia depois do irmão.
Além de ajuda para respirar, os gêmeos Mariano e Gaspar precisaram, ainda no primeiro mês de vida e com menos de 800 gramas cada um, de uma cirurgia para fechar o canal arterial. Gaspar também passou por um procedimento para corrigir uma hérnia quando completou dois meses.
Conheça os cuidados necessários após a alta hospitalar do bebê prematuro
Após o nascimento, os bebês prematuros são monitorados a partir do que os médicos chamam de "idade corrigida" - Mariano e Gaspar, por exemplo, deveriam ter nascido somente em outubro. Hoje, estariam com cerca de um mês de acordo com a idade corrigida, ainda que tenham cinco.
O termo é usado para explicar o amadurecimento neurológico do bebê e estimar parâmetros de desenvolvimento da criança. Algumas podem começar a andar e falar apenas perto de completar dois anos de vida, mas, levando em conta a idade corrigida, estariam com um ano e meio. Quanto mais procedimentos e medicações o bebê precisar, mais lento pode ser seu desenvolvimento e mais sequelas ele pode apresentar.
Kfouri explica que é no final da gravidez, depois das 35 semanas, que a mãe começa a transferir anticorpos para o bebê - o que torna a imunidade dos prematuros muito baixa. Os dois primeiros anos de vida são os que mais exigem cuidados nessa situação.
- Quanto mais prematuro, mais acompanhamento o bebê vai precisar. Por terem recebido menos anticorpos das mães, mesmo depois da alta, estão sujeitos a coqueluche, gripe, pneumonia e bronquiolite. A maioria não consegue se alimentar do leite materno quando vai para casa e precisa de muitas drogas quando está no hospital. O sistema imunológico desses bebês é o cenário perfeito para qualquer bactéria ou vírus fazer um estrago, principalmente quando já estão na creche - indica o médico.
- É fundamental que as mães se sintam participantes no desenvolvimento do bebê, ainda que demore para que possam acolhê-los quando um problema ocorre. Pai e mãe têm de ter acesso livre à maternidade, ainda mais nessas condições - explica a chefe do serviço de neonatologia do Hospital Moinhos de Vento, Desirée de Freitas Valle Volkmer.
A impossibilidade de contato físico entre mães e bebês prematuros é um dos pontos mais difíceis para a família. Michaela, mãe dos gêmeos, conseguiu segurar Mariano, por apenas alguns segundos, duas semanas depois do parto, quando as enfermeiras o trocavam de incubadora. Dois dias depois, ela conseguiu pegar Gaspar no colo. O grande dia, quando conseguiu segurar os dois ao mesmo tempo, aconteceu só em 12 de setembro, quase três meses depois de dar à luz.
- Quando você ganha um filho, se ele chora, você corre para socorrer, acalmar. Com Mariano e Gaspar, eu não podia fazer nada disso. De luvas, toquei neles só três dias depois que nasceram. Percebi que, mesmo assim, eles sentiam a nossa presença - conta ela, com lágrimas no rosto.
Apoio online
Para dar apoio a famílias de prematuros a nutricionista Denise Suguitani criou, em 2011, o blog Prematuridade. Trabalhando no setor de neonatologia de um hospital, ela percebeu que muitos pais que aguardavam a recuperação dos bebês tinham dúvidas sobre como seria o desenvolvimento dos pequenos.
Pai relata os 51 dias da filha prematura na UTI neonatal
- Faltava uma fonte de informações na internet para essas famílias. Quem não tem caso de prematuros na família, dificilmente sabe sobre os dramas, as consequências e a quais sequelas os filhos estão sujeitos - conta Denise.
Em 2014, o prematuridade.com virou site e ONG. No portal, ela reúne histórias de superação, informações médicas e divide tudo por semana gestacional para que os pais encontrem relatos de quem passou por uma situação parecida.
- No site, os pais encontram exemplos para humanizar o que viveram e não apenas falar sobre os termos técnicos que decoraram no tempo em que passaram no hospital.
A família de Mariano e Gaspar está ansiosa para viver momentos juntos. Além dos pequenos heróis, Michaela e o marido, o administrador rural Angelo Antonio, 39 anos, são pais de João Luiz, sete anos, e Antonio, quatro anos.
Moradores de Uruguaiana, eles vivem no apartamento que mantêm na Capital desde que os gêmeos nasceram - mas Michaela não vê a hora de voltar para a "casa lá de fora".
- Se tudo der certo, vamos passar o Natal todos juntos em Uruguaiana.