E então a gente depara com uma lógica cada vez mais utilizada na sociedade contemporânea: "Consumo, logo existo". E nem percebemos que somos seduzidos por ela e que (pior!) a reproduzimos para nossas crianças - produtos desse processo.
Muitas vezes nem é algo consciente, está intrínseco em nossas ações. É a academia que frequentamos à exaustão para atingir o corpo de um ícone qualquer - e que tantas vezes beira o bizarro. A passadinha na estética para fazer escova dia sim, dia não. O décimo scarpin preto - afinal, é um clássico, e clássicos nunca são demais. É o terceiro relógio que compramos no ano, sendo que só temos dois braços, e nem se usa um relógio em cada. A tarde do botox, que frequentamos como se fosse o chá das cinco. É o carro que chega a 200km/h em cinco segundos, sendo que as estradas só permitem cento e poucos e, se considerarmos o estado das dita cujas, nem chegaríamos a 80km/h na maioria delas. É o lustre da sala que custa o preço de um apartamento modesto. É a chuteira "verde-limão", a "amarelo-canário", a "rosa-cheguei", a "laranja-mecânica", a "prata-efervescente" e a "dourada-só-os-melhores-têm" que precisamos dar ao filho - até porque todos os amiguinhos têm.
E assim vamos dizendo, ou melhor, mostrando a eles, por meio de nossos atos inflamados e compensatórios, que ter é imprescindível. E ser vem de ter, e não o contrário.
A vaidade nunca foi tão grande e jamais o mercado obteve tanto lucro por meio da aquisição de produtos dispensáveis. A valorização exagerada da estética e a precocidade em relação a comportamentos fazem das crianças e adolescentes alvos fáceis e mira indispensável das grandes empresas.
A preocupação com a saúde, o cuidado consigo, a vontade de ser melhor e de conquistar espaço e respeito são totalmente compreensíveis, aceitáveis e até mesmo admiráveis. Mas há um desvio nesse caminho que está truncando todo o processo de crescimento emocional, social e moral das novas gerações. É tão exposta a necessidade de ostentar - independentemente do nível socioeconômico - que todo discurso que remeta à importância inexorável de ser, refletir, evoluir como pessoa, progredir por esforço e força de vontade soam como aborrecimento e papo de "gente velha". E eu entendo por gente velha aquelas pessoas que sabiam muito mais o valor do que tinham, pois nele estava subentendido o quanto lutaram para possuir, do que o preço que custou.
A vaidade leva ao consumismo, que leva ao exibicionismo, que leva à desvalorização do que não é material, que, por conseguinte, não leva a lugar algum.
Hoje não se degusta um bom prato sem antes tirar aquela foto básica para postar. Ninguém visita um lugar paradisíaco sem uma selfie. Ninguém vê o teatrinho do filho sem antes tirar uma bela foto do melhor ângulo - mesmo que isso signifique não prestar atenção ao que a criança está apresentando. O prazer deixou de ser viver, gozar, apreciar e passou a ser exibir. Se a pessoa foi ou fez, mas não tem dezenas de pessoas cientes disso, qual é a graça?
A graça talvez esteja exatamente na paz prudente do anonimato, ali onde as pessoas valem pelo que são, e têm mais sentimentos e sensações do que bens materiais.
No divã
Lisandra Pioner: vaidade demais
A colunista escreve mensalmente no caderno Vida
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