
Você sabia que câncer de pulmão mata mais do que acidentes de trânsito no Rio Grande do Sul? E que Porto Alegre é a primeira Capital no Brasil em números de casos de aids? Sabia também que doenças do coração são responsáveis pela morte de um terço dos gaúchos? Para discutir temas como esses, no último sábado, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre reuniu grandes nomes da medicina brasileira e internacional para abordar o cenário e alternativas de tratamento para as principais causas de morte no Estado. Abordou, ainda, aspectos que causam sofrimento à população.
- Se quisermos mudar a realidade, devemos atuar nestes males - adverte Gilberto Schwartsmann, coordenador da iniciativa. O oncologista do Clínicas, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que a ideia é enviar o resumo do conteúdo para as principais entidades da classe médica no intuito de que as autoridades políticas possam tomar decisões e fazer reflexões com base nos problemas reais.
Câncer
Segunda causa de morte no Estado, o câncer é responsável por cerca de 20% de todos os óbitos. Os mais recorrentes são os de pulmão, mama, próstata e tubo digestivo, segundo o oncologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Gilberto Schwartsmann. O especialista explica que a melhor forma de prevenção é reduzir o tabagismo, investir em uma dieta balanceada - com menos carne vermelha e mais frutas e vegetais -, e evitar o sedentarismo.
Somente o câncer de pulmão mata, pelo menos, 2.843 pessoas por ano, entre homens e mulheres, no Rio Grande do Sul. O número (registrado pelo Ministério da Saúde em 2009) é 40,4% maior do que de mortes causadas por acidente de trânsito (2.025, em 2011) e 71,5% maior do que de homicídios (1.657, também no ano passado). O Estado lidera o ranking brasileiro de casos, sendo o que tem o maior números de mortes - são 23 para cada cada 100 mil habitantes.
Considerada rara no início do século 20, a doença se tornou um grave problema de saúde pública nos últimos 50 anos. O impacto é tanto que leva o estado brasileiro a investir, por ano, quase R$ 21 bilhões.
Corações em risco
Chega a 30% a prevalência de pressão alta entre os gaúchos, tornando as doenças cardiovasculares a principal causa de morte no Estado. O problema é estudado desde a década de 70, mas o cardiologista Flávio Danni Fuchs, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, lamenta que não se tenha feito ampla divulgação dessas pesquisas na época como forma de barrar o problema.
O excesso de sódio e de calorias na alimentação, aliados a fatores genéticos, estresse e distúrbios de sono são as principais causas da hipertensão. Para preveni-la, a saída mais segura é combater fatores de risco, alerta o o cardiologista.
Além da mudança de hábitos alimentares, a prática de atividade física tem sido a forma mais eficaz de combater o problema. A criação das Farmácias Populares, no Estado, também ajudou a diminuir a quantidade de pessoas que morrem por doenças cardiovasculares. Porém, o especialista alerta que o remédio distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não é o melhor.
Cardiologista do Instituto do Coração de São Paulo, Protásio da Luz, reforça que o risco de pressão arterial é maior em fumantes e alerta para a ilusão de quem confia demais nos medicamentos:
- A terapêutica que dispomos reduz parcialmente o risco, tem efeitos colaterais e custa caro. O mais indicado é sempre a mudança do estilo de vida.
Dependência Química
Em países como o Brasil, a Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe que, entre as ameaças à saúde pública, sejam combatidos o álcool, o tabaco e a obesidade. O coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, o psiquiatra e psicanalista Sérgio de Paula Ramos, concorda. Segundo ele, faz sentido a proibição do álcool nos Estados Unidos antes dos 21 anos, pois quando a pessoa experimenta cedo, as chances de dependência são muito maiores.
Pesquisa do Hospital de Clínicas revelou que, em Porto Alegre, a idade que os jovens começam a consumir bebidas alcoólicas é, em média, aos 12 anos. Entre outros prejuízos sociais e econômicos, o alto consumo entre os gaúchos é um dos principais causadores de acidentes de trânsito. Como o álcool serve de porta de entrada para outras drogas, Ramos chama atenção para a prevenção. Segundo ele, o consumo da maconha pode acarretar prejuízo no desempenho escolar, aumenta as chances de envolvimento com outras drogas e leva a sintomas psicóticos e a desenvolver esquizofrenia e depressão.
Relação médico-paciente
O pouco tempo disponibilizado pelos médicos para os seus pacientes é um sintoma do modo de vida contemporâneo que interfere diretamente no aspecto da excelência médica.
Segundo o médico psiquiatra Cláudio Laks Eizirik, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, esse fato deve servir de alerta para muitas situações em que aspectos da saúde física e emocional acabam sendo negligenciados, sobretudo no sistema público.
- Por um lado, progredimos extraordinariamente no conhecimento, mas por outro, vivemos o caos em relação ao atendimento da população - diz Eizirik.
A escuta por parte do médico e uma maior dedicação na hora da consulta permitiria, segundo ele, deixar o paciente expressar sentimentos e expectativas em relação ao tratamento.
Protásio da Luz, cardiologista do Instituto do Coração, reforça que a relação estabelecida na hora do atendimento representa 50% da cura:
- A relação médico-paciente precisa ser resgatada, e o foco deve ser dado à pessoa.
Aids
Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) comemore que a curva ascendente do número de casos de aids está estabilizando, no Rio Grande do Sul não há muitas razões para comemorar. Além de o Estado ser o primeiro no país em número de novos casos, Porto Alegre também é a cidade com maior números de pessoas infectadas.
- O número de infecções por ano vem caindo, assim como o número de mortos pela doença. Mas o Estado continua no topo do ranking brasileiro - afirma o médico Celso Ramos Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Há pelo menos uma década, a aids tomou proporções gigantescas em solo gaúcho: é na Capital que a taxa de incidência chega a 99,8 casos a cada 100 mil habitantes - simplificando, um em cada mil porto-alegrenses tem a doença, com sintomas.
No Brasil, de forma geral, apenas 10% dos homens e 15,9% das mulheres fizerem o teste de HIV no último ano. A maioria, segundo Ramos Filho, é diagnosticada quando já deveria estar sendo tratada.
Além da baixa procura com o exame, outro fator que preocupa em relação à doença é a diminuição do uso de preservativo nas relações sexuais.