
Quarenta pacientes, crianças e adultos, serão submetidos à implantação de prótese por cateterismo, nos próximos três finais de semana. Além de ser uma eficiente opção para melhorar a qualidade de vida desses doentes, esse mutirão é uma excelente oportunidade para alertar a população sobre a importância do diagnóstico e tratamento precoce das malformações do coração.
Falta de ar para caminhar ou subir escadas e palpitação podem ser sintomas de diversos problemas no coração, entre eles as malformações congênitas. Mal que acomete de seis a oito crianças entre mil recém-nascidos, as malformações cardíacas podem levar à insuficiência cardíaca e, nos casos mais graves, à necessidade do transplante de coração ainda nos primeiros anos de vida.
Grande parte das pessoas acometidas pelo problema passa a vida sem sequer imaginar o que se passa em seu coração até que os primeiros sintomas de agravamento surjam. Esse foi o caso de José Soares, 56 anos, que, em 2006, teve um mal-estar e foi parar na Emergência do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Incor), onde recebeu o diagnóstico de comunicação interatrial congênita (CIA).
- Levei um baita susto! - diz Soares. Um dos beneficiados pelo mutirão, ele poderá voltar a dormir sem sobressaltos a partir deste sábado.
Como é a cirurgia
Será feita a implantação de prótese cardíaca, por meio de procedimento com cateter. Tal processo dura, em média, uma hora, com o paciente sob anestesia, e requer 24 horas de recuperação com internação hospitalar. Na cirurgia convencional, a intervenção pode chegar a ter cinco horas de duração e exige até sete dias de recuperação.
- Essa iniciativa é de grande relevância, não só por ser a primeira vez que é realizado um número tão grande dessas intervenções no Incor num único ciclo, como também pelo fato de a técnica a ser utilizada ser menos invasiva do que a cirurgia tradicionalmente empregada nesses casos - diz o médico Roberto Kalil Filho, diretor da Divisão de Cardiologia do Incor.
O cateterismo intervencionista é hoje uma opção ao tratamento cirúrgico, principalmente em pacientes a partir de cinco anos de idade em que a comunicação interatrial (caracterizada como um defeito em forma de orifício) está localizada na porção central do septo, a parede que separa os átrios esquerdo e direito do coração.
- Quando há outras malformações congênitas associadas, a correção da CIA por cateter pode ser utilizada em complementação a outras técnicas cirúrgicas corretivas - explica o médico Pedro Lemos, diretor do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Incor e coordenador do mutirão.
Mutirão envolverá 50 médicos
Uma equipe de 50 profissionais do Instituto do Coração - entre eles, 30 médicos da Divisão de Cardiologia Clínica e 20 especialistas em enfermagem - estará envolvida nesta ação que visa a acelerar o tratamento de pacientes que aguardam correção de malformação congênita cardíaca no Incor.
A CIA consiste num defeito (orifício) na parede que separa as duas câmaras superiores do coração, os átrios esquerdo e direito. Tal condição resulta no escape de sangue da primeira para a segunda. Isso faz com que o sangue venoso, pobre em oxigênio, e o sangue arterial, que é rico em oxigênio, se misturem. Acarreta ainda aumento expressivo no volume de sangue que corre no lado direito do coração, com vários efeitos negativos à saúde.
Em corações sadios, essas câmaras, pelas quais flui o sangue que é bombeado pelos ventrículos, não têm comunicação entre si. A comunicação interatrial simples, sem associação a outras malformações congênitas no coração, corresponde a 15% de todas as anomalias cardíacas congênitas, em todas as faixas etárias.
O diagnóstico de CIA inclui avaliação clínica para detecção de sopro cardíaco - auscultado habitualmente pelo pediatra -, ou ainda aliado a sintomas de cansaço em decorrência de esforços, predisposição a infecções respiratórias repetidas e deficiência em ganhar peso, dentre os principais.
O ecocardiograma transtorácico e transesofágico confirmam, respectivamente, o diagnóstico e os detalhes da anatomia do defeito no septo, a fim de se instituir a melhor tática de tratamento, seja ela cirúrgica ou por cateterismo.
Empresas colaboram com a iniciativa
Mariana Abade, de 38 anos, moradora de Vargem Grande Paulista, na Grande São Paulo, está contando as horas até que sábado chegue. Seus dois únicos filhos, Cauê dos Santos, de sete anos, e Bárbara dos Santos, de 18, ambos portadores de CIA, também serão submetidos ao procedimento no Incor.
Cauê não tem sintomas além do sopro cardíaco - som característico de diversos problemas do coração, identificado pelo médico na ausculta do coração -, mas Bárbara padece de cansaço, palpitação e até mesmo desmaios - o seu jovem coração já apresenta crescimento anormal em seu lado direito.
Seguidores da igreja Testemunha de Jeová, a família convivia com a angústia de, mais cedo ou mais tarde, seus dois filhos terem de ser submetidos à cirurgia de correção e, com ela, ao risco de uma transfusão de sangue - prática condenada pela religião.
- Foi um verdadeiro milagre. Nossa condição de vida jamais nos permitiria arcar com esse procedimento - diz Mariana.
Não é, de fato, uma intervenção barata. O preço de mercado dos dispositivos de correção (prótese de oclusão do septo interatrial) gira em torno de R$ 30 mil. Somado aos demais custos envolvidos em uma intervenção especializada como essa, o valor total chega facilmente a R$ 50 mil por cirurgia.
Seis empresas colaboram com a iniciativa do Incor, por meio da doação dos dispositivos de correção: ST Jude Medical, Tecmedic Produtos Médicos, Invasive Importação de Produção Médicos, Neomex Hospitalar, Boynton Health Service e Center for Medicare & Medicaid Service (CMS).